Um estilo próprio
de se expressar oriundo do isolamento físico e cultural dos garimpeiros do
Tapajós
Edileuza e
Marinaldo: parte 1
Edileuza e Marinaldo deitados num quarto no cabaré
de Moçinha discutiam coisas de amantes enciumados. Era alta madrugada. A voz da
velha cafetina fez-se ouvir de outro cômodo da brega , pedindo silêncio.
Edileuza, como que querendo acabar o bate-boca, magoou Marinaldo chamando-o de
corno blefado e sem vergonha.
Silêncio.
Dois minutos depois, seis tiros eram a resposta
àquela ofensa imperdoável contra o manso peão de trecho.
-Liga
o gerador, Caroço! ordenou Mocinha do seu quarto em meio a correria, precedida
daquela saraivada de balas.
Luz acesa, todos correram pro quarto de Edileuza,
estirada morta na rede, ainda com os olhos arregalados. Ao seu lado ajoelhado ,
o amante que convulsionado entre choros , dirigindo-lhe palavras inúteis de
perdão e amor.
-Vamos acabar este peão filho da puta, prele ver
como é bom matar uma mulher- gritou Caroço , o guaxeba do cabaré.
-Nada disso, dentro da minha casa ,não. Amarra este
peste e leva prá prender na cantina - retrucou Mocinha, severamente, mofinando
a pretensão do empregado.
Os demais homens presentes, ainda em trajes sumários,
cumpriram a determinação da velha senhora sem refutá-la, amarrando o criminoso
violentamente com as mãos nas costas como é comum nos garimpos, entregando-o ao
Pé de Ferro, o gerente da cantina que ficava próximo a cabeceira da pista de pouso.
O cadáver da prostituta, meia hora depois, estava
arrumado sobre duas mesas no salão brega, velado sob uma enorme profusão de
velas. Tinha começado o velório.
As mulheres apavoradas com a morte da colega,
conversavam entre si, esticando as poucas informações que tinham da finada e do
seu xodó. Os homens trocavam opiniões indignadas sobre o assassino,
conjeturando maneiras mais cruéis de eliminar o autor da tragédia. Entretanto,
em meia a tantas conversas, ninguém ali, com exceção de Mocinha, conhecia bem a
morta que iniciara trabalho naquele
rendez-vous, há poucos dias, mas era conhecida antiga da velha dama. Dos tempos
das fofocas do rio Cripuri.
Marinaldo, amarrado e sacudido no chão imundo da
cantina, superando o choque do assassinato, já matutava entre um arrependimento
e outro um jeito de se safar daquela fria em que estava metido, mas as cordas
estavam muito bem amarradas.
Chamou o Pé de Ferro e pediu-lhe água, o carcereiro
improvisado atendeu. Até gentilmente.
No cabaré, além de converseiro que raiou o dia, correu
muita cachaça, fato que diminuiu bastante as chances de Marinaldo sair vivo
daquela corruptela. É que entre uma talagada e outra, uns quatro peões,
liderados por Nego Santo, um mulato franzino e falador, o tom da prosa era
exclusivamente a vingança da morte de Edileuza, que friinha da silva aguardava
o primeiro avião para ser transladada até Itaituba, onde segundo Mocinha,
morava uma irmã dela até bem de vida.
Caroço, desrespeitando uma norma de sua patroa,
deu-se a beber com a peãozada, desejoso também de matar o pobre Marinaldo. O
sentimento de vingança cresceu e explodiu de repente entre aqueles homens que
bêbados, já batiam a porta da cantina, a fim de justiçar o infeliz assassino.
-Ó Pé de Ferro, abre a casa pra gente conversar com
o cabra-pediu Nego Santo em tom educado prá garimpo.
O gerente abriu a porta e antes que a “conversa”
começasse, sugeriu que o “entendimento” se desse longe daquele estabelecimento
comercial, no que foi atendido pelo grupo. Sentindo-se condenado a morte, o
assassino fez corpo mole prá se levantar, implorando pelo amor de tudo que é
santo, que não fizesse nada com ele. Inúteis implorações. Levado aos trancos e
barrancos pro local do suplício, primeiro, foi xingado de todos os nomes, que
seus algozes inventavam na hora, depois começou o suplício de verdade. Ninguém
na corruptela, em plena sete horas da manhã daquela trágica quarta-feira ,
ousou intervir pela vida do amante de Edileuza, por medo ou simples omissão.
Entre cacetadas, tiros e ponta-pés, Marinaldo
morreu. Nego Santo, animado pelos seus parceiros, arreganhou a boca do finado e
gritou que ali estava um reco bom. Seis dentes de ouro brilhavam na boca do
infeliz garimpeiro morto. Coincidentemente, seis eram os seus assassinos,
portanto um dente prá cada um. Venderam o ouro na cantina e beberam tudo de
cachaça no velório da finada Edileuza.
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