sexta-feira, 25 de julho de 2014
As leis do garimpo
É público e notório que
a sociedade do garimpo não segue as leis convencionais seja a da cidade ou do
campo; tem a sua própria lei que a despeito de suas qualidades e problemas está
regendo a vida de centenas de milhares de homens e mulheres da Amazônia.
Lei, ou melhor, código foi criado
pela prática, pela necessidade de sobrevivência em condições adversas dos
homens que vivem o fenômeno do ouro brasileiro. Nasceu este código ético sem
ser imposto por nenhuma autoridade, ou seja, naturalmente. Só é comparada a
velha lei da costa oeste da América do Norte tão decantada pelos inúmeros
filmes e livros, retratando essa época de pioneirismo.
A lei não é escrita, divulga-se
oralmente. As cláusulas principais desta lei ou código de vida são:
1.
– Direito de propriedade:
-
É dono o cidadão que descobriu, comprou ou construiu a seu custo e está
assumindo a propriedade em questão. Comprar e não assumir não implica em
propriedade; a propriedade da descoberta vale na medida em que o descobridor
tem condições de assumir o empreendimento implícito;
-
não é necessário usar guarda-costas, segurança, sistema de alarme no garimpo
todo mundo porta cordões de ouro e pepitas bem á vista, pois por tradição não
há ladrões. O preço deste crime é o justiçamento primário;
-
a demarcação do território é valida, sendo respeitada, mas a condição de que a
dimensão da área assinalada corresponde à capacidade de trabalho do
pretendente. Se esta for muito maior, a pressão dos vizinhos será forte demais
e o demarcador deverá ceder parcelas ou sua área será redimensionada.
-
o fenômeno de relacionamentos, amizade, boa vizinhança é a melhor garantia do
direito de propriedade. O garimpeiro – descobridor procura resguardar seu
quinhão, associando com amigos dividindo o bolo, visando consolidar forças para
garantir suas áreas de atuação.
Tenta
se com a penetração da Lei brasileira nos garimpos, utilizar outros meios para
delimitar propriedades, como requerimentos de PLG e Terra Legal e abertura de
campos de capim, violando outras leis, as de meio ambiente.
Quando
a lona de um barraco é desmontada nos
garimpos de fofoca, o barraco não é mais do seu construtor, mas de qualquer um
que o cobrir de novo.
Curimã
de terra firme é do garimpeiro que o produziu, o curimã de balsa ou draga é de
todos, mas só se a balsa ou draga já tiver saído do local.
2.
– Da relação entre as pessoas:
-
O homem que necessitar da companhia de uma mulher, vai à currutela e lá
estabelece as bases de seu relacionamento sendo o acordo fielmente mantido pelas
partes envolvidas.
-
O homem pode levar uma mulher para o seu barraco no “baixão”, transformando-a
assim em sua companheira ocasional por alguns dias ou semanas e deverá recompensá-la
no final da estadia com uma parcela substancial dos seus ganhos em ouro, mas
devera negociar com o dono do cabaré.
-
A mulher que dançar e beber com um homem na boate do garimpo, não poderá trocar
de parceiro, salvo se o primeiro desistir dela, caso contrário a pena é de uma
multa a ser paga ao primeiro homem; Essa regra criada para evitar tiroteios é
controlada pelo cabereizeiro que indemnizara o primeiro parceiro da mulher com
bebidas e outra mulher, tudo descontado
na conta da mulher infiel.
Mulher
é propriedade do dono do cabaré, já que ele pagou para ela entrar de avião e
mais outras despesas; ela poderá se liberar se pagar o seu próprio passo, senão
ela será vendida a quem pagar o peso em ouro exigido por ele; o dono do cabaré determina o valor em função dos
dotes da mulher, somados com as despesas de viagem e eventual consumo de
medicamentos. Muitos donos de cabarés são donas, mulheres. O fato de ser
vendida por um bom ouro é uma honra para a mulher,
Mulher
pode sair da boate se pagar a multa por dia ou noite; essa multa foi instituída
para evitar o desvio do uso da mulher.
Se a mulher conseguir
com a saída dela, trouxer um cliente bamburrado até a boate, a multa será
perdoada;
- Os jogos a
dinheiro implicam em sérios compromissos. O não pagamento de uma divida de jogo
leva à morte;
- Não se mata um homem pelas
costas, salvo se o mesmo é um assassino e está sendo justiçado.
Algumas regras, em
relação à mulher caíram em desuso nos locais de fácil acesso;
3.
– Do dia a dia:
- Avisar
quando chega ao barraco: bater palmas ou gritar um Olá bem alto, é
suficiente;
-O Reco do fundo da
canoa é da cozinheira;
- As regras de
hospitalidade do resto do Brasil são mantidas; sempre há café e feijão para os
visitantes
- A cozinheira do
barraco é objeto de respeito, salvo se ela não se der respeito.
4–
Dos negócios:
-
Tudo no garimpo se resume a água, espaço e ouro; tais elementos regem a
atividade garimpeira invariavelmente;
-
Não existe recibo em garimpo. O acerto oral com ou sem testemunhas tem força de
lei;
-
Financiamentos realizados à semelhança dos bancos, não utilizam juros;
pagamentos são feitos em ouro e o recebimento também. O interesse do financista
consiste na necessidade em conseguir ouro para o seu negócio.
-
O sistema financeiro posto em prática no garimpo não utiliza prazos; o
pagamento é feito quando o tomador do empréstimo conseguiu extrair o seu ouro;
- Quando um tomador de
empréstimo não consegue devolver o capital devido, graças a uma adversidade,
pode receber um novo empréstimo. Se persistir a adversidade, seus bens tais
como pista, barrancos, direitos, entre outros, serão entregues ao financiador.
As divisões dos ganhos (percentagens
de produção) segue pontualmente o acertado
A pena de desobediência a um acordo
oral é a mais terrível do garimpo, resulta no desprezo geral que leva
invariavelmente o acusado à falência lenta que é pior do que a morte.
5.
– Os velórios:
Os
velórios são importantes, pois são cerimônias que mantem o homem do garimpo afastado da condição mais primitiva e também tem regras:
O
morto tem dono, e o dono é o patrão dele que será obrigado a pagar as despesas
do velório que são basicamente uma grande quantidade de cachaça e velas além de
pagar os trabalhadores para o transporte e o enterro.
Com
a pressão das autoridades policiais, enterros passaram a ser feito nas cidades
circundando o garimpo, o que obrigou os donos dos mortos a pagar por frete de
avião.
6.
– Dos justiçamentos:
O tribunal só tem um juiz, o dono do
serviço, e geralmente o carrasco é o próprio juiz, já que mandar fazer é
considerado ato de covardia.
A
sentença é pública, pois mantem a coesão do garimpo e a noção de cumplicidade
ou co-autoria.
Diversas cláusulas deste código
natural estão em contradição flagrante com a lei oficial da nação e aparentemente
necessita para se manter de um isolamento geográfico.
Na realidade, não existe nenhuma “república
livre” na Amazônia, em toda essa vasta região, segue-se mais ou menos a lei do
garimpo com o beneplácito das autoridades governamentais que se integraram
emocionalmente à vida do ouro.
Existe desde a penetração das estradas,
um abrandamento deste código e uma mistura com a Lei brasileira, cada qual
usando a que melhor lhe convier.
A demora conhecida da justiça oficial é
um entrave para a migração completa de uma lei para a outra.
Outra dificuldade é o total desconhecimento
por parte dos juízes locais da lei mineraria (Código de mineração) que é a lei
que mais penetrou nos garimpos.
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