Fonte: Leila Benitez - Tese de Doutorado-UFMG- 2009
Desde as descobertas ocorridas no
sul da África a partir do final da década de 1860, as quais desbancaram o
Brasil do seu longo período de domínio da
produção mundial de diamantes, o eixo envolvendo
pesquisa-desenvolvimento-lavra-comércio desse bem mineral passou de modo
definitivo às mãos do monopólio da megaempresa sul-africana De Beers. De fato,
essa empresa soube controlar com eficiência inquestionável toda a cadeia
produtiva, desenvolvendo uma metodologia de ação que se tornou clássica e
imbatível em termos industriais (visualizado na imagem anexa ). Tal modelo
funcionou com perfeição até a década de 1980, quando novos fatores surgiram
progressivamente, prejudicando a hegemonia da De Beers, e mudaram parcialmente
o cenário da cadeia fornecedora do diamante no planeta. Os principais desses
fatores foram:
(1)
Descoberta do megadepósito diamantífero de
Argyle (Austrália). Essa jazida, encontrada ao final de 1979 em remota região
do noroeste da Austrália, possui um lamproíto intrusivo no cinturão móvel Halls
Creek, um Próton, que circunda a margem leste do Cráton Kimberley. A mesma
região já havia sido antes pesquisada pela De Beers, sendo porém descartada uma
vez que no modelo exploratório da empresa, apenas kimberlitos seriam capazes de
gerar mineralizações economicamente viáveis e, além disso, somente quando
situados em áreas cratônicas (nunca em faixas móveis). O desenvolvimento da
mina logo transformou a Austrália no maior produtor mundial, e no pico da
produção em 1994, com 40 milhões de quilates, representou cerca de 40% da
produção de diamantes à época;
(2)
Guerra da angola. A partir de 1980, na época
produzindo ao ano cerca de 5 milhões de quilates, o país obteve total
desvinculação de Portugal. Até então, a empresa estatal portuguesa ENDIAMA
comercializava com a De Beers tal produção. Com a independência e rápida adesão
do novo governo estabelecido (Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA)
ao regime comunista de Moscou, um grupo contrário radicado no interior (União
para Independência Total de Angola – UNITA), viu o domínio bélico da principal
região diamantífera angolana, a Luanda, um modo de autofinanciar seus
propósitos. A produção, ainda que diminuída (para cerca de 1-2 milhões de
quilates anuais) devido aos métodos mais arcaicos de extração, começou a ser
vendida a preços mais baixos nos mercados negros consumidores.
(3)
Colapso do regime comunista da União Soviética.
Esse país desde a década de 1960 tornou-se um grande produtor de diamantes, a
partir de kimberlitos descobertos na região sub-ártica da Yakutia, Sibéria. Por
volta de 1990, com uma produção de cerca de 17 milhões de quilates, era a 4ª
maior do mundo. Até a queda total do regime em 1991, o governo soviético
possuía acordo firmado com a De Beers, vendendo a essa empresa toda a produção
de diamantes gemológicos, porém retendo a produção de diamantes industriais
para consumo interno. Nesse processo, uma enorme parcela da produção (gemológica)
foi desviada para as mãos da burocracia governamental. Com o fim do regime,
esses diamantes foram parar nos mesmos mercados não convencionais.
CERTIFICADO DO PROCESSO DE
KIMBERLEY: IMPLEMENTAÇÃO E OBJETIVOS
Inicialmente, o Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas (ONU) impôs sansões proibindo importações de
diamantes em bruto provenientes de Angola e outros países africanos,
objetivando impedir as fontes de financiamento de movimentos rebeldes.
Entretanto, apesar das tentativas para coibir tal prática, os diamantes de
guerra continuaram a encontrar mercado e acabavam por se inserir no comércio
legalizado. O filme “Diamantes de sangue” cristalizou na sociedade mundial a
necessidade de ampliação do nível de controle entre diversos países com
intenção de reduzir o papel desempenhado por tais diamantes na perpetuação dos
conflitos e fez que vários países produtores, importadores, indústria e
sociedade civil se reuniram para tomarem providências mais eficazes.
Assim, o Processo de Kimberley –
PK foi estabelecido em 2002 por iniciativa dos países produtores de diamantes
da África Meridional, a fim de elaborar um sistema de certificação para o comércio internacional de
diamantes em bruto. A proposta inicial apresentava como objetivos: (a) deter o
comércio de diamantes em bruto utilizados por movimentos rebeldes para
financiar conflitos armados que visam colocar em risco a paz e a segurança
internacionais; (b) proteger a indústria de diamantes, da qual depende o desenvolvimento
econômico e social de certos países (e.g. Botswana) e; (c) controlar o comércio
de diamantes através da criação e implementação de um esquema de certificação a
nível mundial, baseado principalmente em normas internas dos países produtores
sobre padrões mínimos de convenções internacionais.
Essa proposta avançou com rapidez,
e o Sistema de Certificação do Processo de
Kimberley –SCPK foi aprovado em reunião ministerial realizada em
Interlaken, na Suiça, a 5 de novembro de 2002. Na sua resolução 56|263 de 13 de
março de 2002, a Assembleia Geral da ONU
comunicou a criação de tal certificação. A aplicação simultânea do sistema
iniciou-se em 1º de janeiro de 2003, e o governo da República Sul-Africana
concordou em presidir o PK durante seu
primeiro ano. Logo, a indústria de diamantes anunciou a aplicação de um auto controle
de regulamentação voluntária, com o qual seriam oferecidas garantias
respaldadas por auditorias independentes (e.r. ONGS como PAC e GW).
Deste modo, reconheceu-se que se
tornaria mais fácil o rastreio das transações de diamantes em bruto por parte
das autoridades competentes, bem como a aplicação eficaz do SCPK. Além disso, a
participação no PK foi encorajada e facilitada. Desde sua implementação vários países
e organizações de integração econômica regional participam do PK, a exemplo de
Angola, Botswana, Brasil, Canadá, China, Comunidade Européia, Costa do Marfim,
Estados Unidos da América, Rússia, Filipinas, Ghana, Índia, Israel, Japão,
Lesotho, Namíbia, Noruega, República Centro-Africana, Coréia do Sul, Congo,
Laos, Tanzânia, Serra Leoa, África do Sul, Suiça, Swazilândia, Ucrânia, etc.
Outros países logo demonstraram suas intenções de participar em futuro próximo.
O PK visa assim ter um mecanismo
internacional permanente, tendo como objetivo detectar e prevenir o comércio,
entende-se que a ONU adote medidas para apoiar a aplicação do sistema como
instrumento que contribuirá para garantir a eficácia das resoluções pertinentes
do Conselho de Segurança, no que se refere a impor embargos ao comércio de
diamantes provenientes de zonas de conflitos e assim promover a paz e a
segurança internacionais. Esse apoio ao citado sistema de certificação também
contribuiria no sentido de promover o comércio legítimo de diamantes, o qual
possui importante função no desenvolvimento econômico mundial.
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