quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Os garimpeiros do norte do Brasil, vetores de influência, poderes e desequilíbrio fora das fronteiras

Primeira parte: FAMÍLIAS TRANSNACIONAIS NA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA
Iana dos Santos Vasconcelos



Foto do Creporizão Venezuelano : o Km 88 ou Las Claritas: (tirada pelo JO)


A migração intraregional entre países fronteiriços vem se caracterizando pelos deslocamentos mais frequentes e até mesmo diários ou semanais, de pessoas que transitam e cruzam as fronteiras de um país e outro. São pessoas que mantêm fortes vínculos com o lugar de origem, mas também reorganizam novos vínculos afetivos e familiares nos lugares de trânsito ou de trabalho. A família neste cenário torna-se um projeto que é constantemente construído e reavaliado pelos seus membros, com vistas a atualizar estratégias de proximidade. Neste sentido, o presente trabalho visa apresentar notas de pesquisas a respeito da constituição da família transnacional formada por brasileiros(as) que vivem e transitam na transfronteira Brasil/Venezuela e a construção das noções de paternidade e maternidade definidas a partir das estratégias de proximidade e distanciamento. Pretende-se, ainda, analisar o mecanismo pelos quais as identidades de gênero são ressignificadas no âmbito familiar, tendo por base o processo de interação social entre diferentes grupos nacionais, marcado por um espaço de conflito e negociação de poder.
Este artigo visa apresentar notas de pesquisas a respeito da constituição da família transnacional formada por brasileiros(as) que vivem e transitam na transfronteira Brasil/Venezuela, especialmente o espaço transfronteiriço circunscrito pelas cidades de Santa Elena de Uairén, no município de Gran Sabana, estado Bolívar na Venezuela e o município de Pacaraima, no estado de Roraima, no Brasil.
As noções de paternidade e maternidade examinadas neste trabalho são relativamente restritas ao exercício de pais e mães e a sua relação do cuidado com os filhos e filhas, os quais lançam mão de diferentes estratégias de estreitamento de laços afetivos e concepções de pertencimento a família, mediadas pela mobilidade e a dinâmica social transfronteiriça.
Deste modo, o artigo está dividido em três seções. No primeiro momento, faço uma breve
caracterização da transfronteira Brasil/Venezuela. No segundo momento, apresento elementos que constituem a família transnacional e as diferentes formas de exercício da paternidade e maternidade A transfronteira Brasil/Venezuela
As cidades transfronteiriças de Santa Elena de Uairén, estado Bolívar na Venezuela e Pacaraima,estado de Roraima no Brasil, estão separadas entre si por apenas 15 km de distância. Não obstante, a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén esteja localizada no Estado de Bolívar – um grande polo de indústrias de base, diferentemente da realidade do estado de Roraima, que vive da “economia do contracheque”, ou seja, do repasse de recursos públicos federais e estaduais, sua infraestrutura social é bastante precária em relação à Pacaraima, o que faz tanto os venezuelanos quanto os brasileiros que vivem em Santa Elena do Uairén se deslocarem até Pacaraima em busca de serviços públicos de saúde e educação.
Corrobora também para o deslocamento de habitantes de outras localidades vizinhas situadas em regiões de garimpo, tais como Las Claritas, (km 88) e El Pauji (Icabarú), especialmente em casos de acesso a atendimentos e serviços de saúde que exigem maior infraestrutura, tais como cirurgias traumatológicas e partos. Além da proximidade ao acesso a hospitais melhor equipados, é O cotidiano da fronteira Brasil/Venezuela é marcado pela presença de grupos étnicos e nacionais que desenham fluxos migratórios fronteiriços menos e mais permanentes. Esses deslocamentos apontam aspectos peculiares que merecem atenção, sobretudo, no que diz respeito ao seu fluxo, em especial pela ida de brasileiros(as) para o país vizinho. A Venezuela sofre, atualmente, uma recessão econômica e, consequentemente uma desvalorização da moeda nacional. No entanto, ainda é um atrativo para os(as) brasileiros(as), uma vez que, o baixo custo de vida, o mercado de trabalho informal, (entre eles, a garimpagem) e as atividades de suporte/apoio configuram-se como atraente alternativa de inserção na economia local.
Os processos de deslocamentos transnacionais acabam trazendo à tona uma série de fenômenos etnicoculturais e identitários que impactam as transformações no mundo do trabalho e na vida de homens e mulheres que vivenciam esta realidade.
A expansão da mobilidade transfronteiriça contribui desta forma para o estabelecimento de redes sociais, por meio das relações de comércio, trabalho, serviços públicos, lazer, arentesco, vizinhança e de religiosidade, tecendo deste modo o trânsito na fronteira. A família neste cenário torna-se um projeto que é constantemente construído e reavaliado pelos seus membros com vistas a atualizar estratégias de proximidade e distanciamento. As relações familiares no espaço transnacional são marcadas por um comprometimento mútuo, contatos sociais regulares e um fluxo constante de benefícios materiais e não materiais. Neste sentido, a família transnacional é entendida não apenas pelo fato dos membros da família residir em países diferentes e estabelecerem contatos e vínculos afetivos, mas também, por se constituir de membros de distintas nacionalidades e que transitam física e simbolicamente entre territórios e culturas diferentes (LOBO, 2010).
Notas de pesquisas a respeito da constituição da família transnacional formada por brasileiros(as) que vivem e transitam na transfronteira Brasil/Venezuela
Nesta seção, pretendo fazer uma breve caracterização da constituição da família transnacional na fronteira Brasil/Venezuela. Longe de me deter a aspectos teóricos do termo, gostaria de situar as diferentes formas de organização da família na transfronteira, a fim de fornecer elementos que demonstrem a pluralidade de padrões constituídos em distintos contextos históricos e culturais entre homens e mulheres.
Neste sentido, me aproprio de dados empíricos coletados em diferentes etapas de pesquisa e com diferentes objetivos. No ano de 2006, por cerca de seis meses, realizei entrevistas com mulheres que viviam em bairros populares no município de Boa Vista, na perspectiva de analisar o processo de organização de grupos de mulheres de geração de renda da economia solidária e a sua influência nas transformações das relações de gênero no cotidiano de suas integrantes. Ao lançar mão da metodologia da história oral, elaborando a trajetória de vida de cinco lideranças desses grupos, foi possível perceber a influência do processo migratório na redefinição dos papéis de gênero nas vidas dessas mulheres, medida que passavam ocupar outras funções na ausência do marido. Deste modo, os dados ora descritos, ajudaram a compreender os impactos da migração transfronteiriça para mulheres que ficam no país de origem e os novos papeis assumidos nesse contexto dentro da família.
Na esperança de apontar outros elementos que impactam na constituição das famílias transnacionais na fronteira Brasil/Venezuela, também utilizo dados da pesquisa realizada no período de novembro de 2007 a outubro de 2008, junto a trabalhadoras brasileiras na fronteira Brasil/Venezuela, cujo objetivo era a analise das reconfigurações das identidades de gênero das trabalhadoras transfronteiriças, considerando o contato entre distintas culturas, promovido pelo deslocamento para o trabalho entre as cidades fronteiriças de Santa Elena do Uairén (Venezuela) e Pacaraima (Brasil).
Também serão aproveitados dados dos resultados da pesquisa Migração e Relações de Trabalho na Fronteira Pan-Amazônica, ligada ao Grupo de Pesquisa Interdisciplinar sobre Fronteiras – GEIFRON, da Universidade Federal de Roraima, do qual participo sob a coordenação da professora  Francilene Rodrigues, realizada durante os anos de 2009 e 2011, na Venezuela, no Estado Bolívar, em especial na cidade fronteiriça de Santa Elena do Uairén e nas regiões e localidades de garimpos de Las Claritas e Km 88, próximas à fronteira com o Brasil.
Com base no diálogo entre os diferentes dados, pesquisas e contextos, pretendo iluminar as peculiaridades de elementos constitutivos da família transnacional na fronteira Brasil/Venezuela.
No contexto da realidade transfronteiriça não é diferente. Assim, a noção de família é vinculada não apenas a aspectos consanguíneos, a uma identidade nacional e a uma rede de apoio e colaboração, mas também simbólicos. “Nós brasileiros aqui (Las Claritas) não temos ajuda de ninguém, nem de governo, nem de guarda nacional, por isso um paisano  ajuda o outro paisano em caso de precisão. Somos uma grande família!”
Isso demonstra as reconfigurações do conceito dominante de família, ligado ao casamento, descendência, parentesco e coabitação, o qual passa a dar centralidade a um contexto de relações diversas marcado por uma identidade coletiva e redes de solidariedade (BOURDIEU, 1993). E demonstra a importância das redes sociais acionadas pelos migrantes brasileiros no projeto migratório, fundamentadas, além do parentesco, por laços de amizades e origem comum. “Essas redes apresentam-se para esses brasileiros como um mecanismo imprescindível no seu projeto migratório, uma vez que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e as relações afetivas e sociais mais individualistas” (RODRIGUES, 2012).
O mercado de trabalho é um elemento diferenciador importante nas formas de organização social da família transnacional na fronteira Brasil/Venezuela, tendo em vista que, dependendo do local e posição social no mercado de trabalho (comerciantes, garimpeiros(as), vendedores(as) motoristas, entre outros), as estratégias de reprodução social da família se distinguem.
Assim, em geral os que detêm os meios de produção, tais como proprietários(as) de estabelecimentos comerciais e maquinários de garimpagem, tendem, ou a migrar com toda família ou manter contatos mais permanentes com os membros da família no Brasil, através de deslocamentos mais contínuos na fronteira. Vale ressaltar que essas famílias são frequentemente os pioneiros e formam uma pequena casta de brasileiros que conseguiram regularizar-se (obtendo visto permanente), tiveram filhos na Venezuela e hoje estão totalmente integrados à economia e cultura local. Estes, não pensam e tampouco pretendem estabelecer moradia fixa no Brasil. Podemos comparar esse grupo com que o autor Norbert Elias denominou de estabelecidos (ELIAS, 2000). Já os(as) migrantes que vendem sua mão de obra, tais como, vendedoras, garimpeiros e demais sujeitos responsáveis pelo processo de extração do ouro, tendem a minimizar suas visitas à família no Brasil e à reunificação familiar no país de destino.
A separação dos filhos é apontada pelas migrantes brasileiras como uma das principais dificuldades de viver em outro país:

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