sexta-feira, 13 de junho de 2014

Estórias de amores no garimpo

Um estilo próprio de se expressar oriundo do isolamento físico e cultural dos garimpeiros do Tapajós

A vacora de Fogoio, parte 1

O úmido entardecer de maio soltou um ditador:
-Bota Skol e Cortezano naquela mesa e chame as mulheres! A dona do cabaré “mil i uma noite di amor”se debruçou sobre o balcão.
Dos seus olhos nenhum sinal. O peão invadiu o ambiente armado de pés à cabeça: um 38 enfiado na cintura para todos verem e uma 20 na mão direita. Explodiu:
-Hoje tô virado do cão! Vou me desgraçar! A clientela se manteve muda. A dona do cabaré apenas olhava.
O peão arrastou a cadeira, socou a mesa. A lata de Skol saltou. O Cortezano tremeu na base e o copo grosso ameaçou cair. O peão tirou do bolso o vidro de nescau cheio de ouro. Virou para a dona do cabaré e ordenou:
-Guarda que é para garantir o meu porre. Se não der, mando buscar mais no meu barraco. Vou me embriagar até espantar a vacora que esta no meu espírito.
Num discreto sinal da dona quatro mulheres saíram das mesas do fundo e encostaram as cadeiras em torno da mesa do peão. O som transmitido por enormes caixas subiu repentino no ar. Uma revoada de mosquitos amedrontados flagelou o salão. Mocinha, a dona continuava atrás do balcão, impassível. Não se assustava. O peão falava grosso, ameaçava Deus e o mundo, parecia violento, mas a conta estava garantida pelo ouro e ele não maltratava as meninas. Elas arrastaram uma segunda mesa vizinha para encostar na mesa dele é que a quantidade de bebidas por elas pedidas já ocupavam todo o espaço.

Refastelado na cadeira preta de gordura, Mané Fogoió, misturava Skol com Cortezano. Do pouco que o som deixava, as mulheres escutaram que uma mulher lá do barraco o havia rejeitado, preferindo-lhe o dono do barranco. Todos conheciam esse peão de cara talhada e valente que agora padecia as amarguras da vacora. Coisa de garimpo. O álcool começava a queimar e Fogoió se perdia em pensamentos, olhando o mundo ao seu redor por pupilas diferentes. E foi subindo. Ele ria do bate-boca das mulheres, das estórias sobre os porres da peãozada. Uma das meninas se achegou mais e acariciava lhe o peito entre a camisa desabotoada. Um cordão de ouro de umas trinta gramas com uma pepita do mesmo peso abrilhanta lhe o pescoço. Havia esquecido o barraco.


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