quarta-feira, 18 de junho de 2014

Estórias de amores no garimpo.- A vacora de Fogoio, parte 2

Um estilo próprio de se expressar oriundo do isolamento físico e cultural dos garimpeiros do Tapajós

A vacora de Fogoio, parte 2

  
Um Cherocão, pousou na pista de barro, o piloto fez a manobra de retorno bem na frente enchendo de vento e poeira o cabaré. As mulheres abraçaram os copos e garrafas que balançavam.
- Filho de uma puta, é o Ricardo, podia ter virado o Mata-sete pelo outro lado ou mais para lá onde só havia mato, gritou a Mocinha.  Entre a poeira ela pensou ter visto atrás da janela da direita do avião, o cabo Virgolino, famoso por levar sempre no bolso não um distintivo, mas, um vidro de ouro que ele enchia pista por pista, garimpo por garimpo. - Nesta hora do dia ou da noite não tem mais jeito deles decolarem. Vão dormir aqui na corruptela. Mocinha estremeceu. O Cherocão taxeou até o pátio frente ao armazém do dono da pista. Mocinha esgueirou-se pela porta do cabaré e viu o mata-sete vomitar cinco samangos armados de fuzis. Virgolino comandava a tropa. São quase cem e poucos metros do cabaré até o Armazém, mas ela estava certa que o Virgolino a olhou e fez um sinal. Assim como:- Mais tarde, estou indo para lá.
Avisado da chegada da policia, Fogoió, o rejeitado, manteve a pose, ajudado nesta valentia pelas doses de bebidas e a admiração da putada. As armas, não quis esconder atrás do balcão. Mocinha implorou então que saísse, não queria tiroteio. Fogoió se empertigou. Esperava os homens da lei.
- Que venham!.
Enquanto isso, a policia papeava com o Zé Grande, dono da pista, no armazém da corruptela, um lugar sujo e maltratado porque algum filho da puta engasgou a higiene em nome do trabalho. Ele ouvia a conversa fiada da milícia antes de investir para fazer a revista de costume.
- Sabes como é, os nossos salários de miséria, até atrasados chegam.
- Sei, sei, mas aqui, tá tudo nos conforme, e tá dando nem para o boião. Quanto ao que se faz ou deixa de se fazer fora do meu negócio, aqui no armazém, não é da minha conta. O Zé grande empurrou no balcão um papelote que devia contar umas dezenas de gramas. Virgolino botou na palma da mão num gesto de adivinhar o peso, o olhar fixo em Zé Grande que segurou o olhar. Após algumas segundas, aceitou o presente e sem tirar o vidro da calça, abriu o tampo e jogou o papelote dentro sem o abrir. E saiu.
O cabo Virgolino, já próximo a tropa ao lado do avião, esperto na policia notou a revoada  que deixava o cabaré . Era um casarão de tábuas sem cor, salpicada de janelas e portas descobertas.
- Alerta! berrou ele, empunhando a escopeta . A tropa pisou firmo no rumo do cabaré enquenta a mulherada avistando pelas janelas o enxame de boné e trabucos, escapuliu em todas as direções. Fogoió ficou sozinho. O barraco estava cercado. Como na guerra, a polícia ensaiava seus métodos de voz grossa. Cerveja, Cortezano e Wiski das mulheres sobre a mesa, Fogoió ensaiava mentalmente um diálogo com a policia, que as armas não ia depor. Assim se consumindo entre um ato e outro, Fogoió mastigava seu ressentimento. Vislumbrou a imagem da mulher, motivo do seu porre. Transtornado pela recusa, misturando sentimento, Cortezano e cerveja, não viu nada de mais em encarar um tiroteio com a policia que....
Não concluiu o pensamento. De frente, o soldado lhe apontava o fuzil. Fogoió saltou com um gato e disparou a 20 : 40 bagos de chumbo que, primeiro , prenderam em pé o soldado ao chão, depois ,como num passe de mágica, provocaram alguma coisa como um coice de mula em cima do peito. O corpo voou para traz e se estatelou, morto. O sangue salpicou o chão úmido de barro..
O tiroteio fechou o tempo, enquanto Fogoió despejava chumbo alternando com a perícia o revólver e a 20.
Alguém deveria ter avisado o Virgolino que notou a esperteza do peão e ordenou a retirada. Não tinha vindo para aqui morrer. A corruptela riu.
Com a alma amarga lavada, Fogoió atravessou 20 passos do cabaré e saiu pelos fundos. Ganhou a mata e o mundo. Dali para a frente, sua fama cresceu, embora por muito tempo não pudesse mais frequentar a corruptela sem mandar verificar antes a presença da policia. Pelo menos até que a ira dos homens da lei se abrandasse devido a morte do companheiro tombado no tal comprimento do dever.     


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