(o
que faz a riqueza não é o ouro, mas o trabalho e a sabedoria)
Enviado por Jose Fernando da Silva Lemos
Imagem: favela de Caracas num pais com imensos recursos minerais
As
causas comuns de geração de riqueza dos países — são: produção de grande
quantidade de manufaturas, diligência dos seus habitantes em empreender,
ampliação do comércio dentro e fora do reino, e sabedoria de quem governa, não
os seus recursos naturais.
O
conceito foi apontado por Antônio Serra no "Breve Tratado das
Causas que Podem Fazer os Reinos Desprovidos de Minas ter Abundância de Ouro e
Prata", escrito em 1613, dirigido ao vice-rei de Nápoles, dom Pedro
Fernandes de Castro, em contestação à política intervencionista de câmbio
sugeridas por Marco Antonio De Santis. Hoje reconhecido como um dos mais
antigos economistas a escrever um texto sobre política econômica, o "Breve
Tratado" teve sua primeira tradução, no mundo, em 2002, para o português,
feita em Curitiba por um casal de italianos: o economista Andréa Vicentini e a
professora de Língua e Literatura Italiana, Marzia Terenzi Vicentini, que vivem
no Brasil desde 1967.
Há
muitas semelhanças na problemática da economia brasileira de hoje com a do
reino de Nápoles, no século XVII. Serra esta falando de um reino que enfrenta
dificuldades em uma fase de transição entre o feudalismo e o mercantilismo. O
Brasil vive a era da transição de uma sociedade industrial para pós-industrial.
Ressalve-se, porém, que essa seria a analogia entre as duas realidades, o fato
de as experiências serem executadas em nações com grande potencial de produção
agrícola, com pouca presença no mercado externo com seus produtos
manufaturados, com escassez de recursos monetários e poupança interna
insuficiente para financiar o seu desenvolvimento.
Antônio
Serra escreveu suas teses em uma época em que o Reino de Nápoles esteve sob a
Coroa Espanhola (1504 a 1707), governado por um vice-rei espanhol. A maioria
dos negociantes que dominavam o comércio de Nápoles era de estrangeiros, quase
todos espanhóis; dai por que grande parte dos recursos obtidos com exportação
de produtos agrícolas não voltava ao país de origem. A experiência de Nápoles
foi usada, por Serra, para comparar-se com a República de Veneza, onde,
apesar de não possuir minas de ouro e prata e uma fraca produção de alimentos,
era rica e tinha moeda forte. O segredo estava na capacidade de produção de
bens manufaturados, na posição favorável ao comércio e na capacidade de seus
cidadãos de negociar em todas as partes do mundo e acumular riqueza.
De
Santis sustentava a adoção de medidas legislativas — uma espécie de câmbio
administrado subvalorizado — como fator de abundância de moeda e riqueza no
Reino de Nápoles. Antônio Serra, ao contrario, refuta a utilização do expediente
cambial de valorização ou desvalorização da moeda como instrumento de
desenvolvimento. Chega, mesmo, a comprovar que uma desvalorização cambial, nas
condições de Nápoles, era fator de geração de pobreza e não riqueza.
"Devendo-se
considerar a baixa taxa de câmbio como condição momentânea, ela deve se
subordinar ao comércio, ocorrendo o mesmo com o baixo valor dos títulos (papéis
cambiais), enquanto o valor elevado da moeda deve ser subordinado à sabedoria
do governante". Mas essas políticas ou outras semelhantes não podem ser
consideradas causas de abundância de dinheiro, nem mesmo subordinadas, mas
tão-somente condições, pois não produzem necessariamente tal efeito, ainda que,
para De Santis, "a baixa taxa de câmbio pareceu ser não apenas uma causa
poderosa para obter abundância de dinheiro, mas a única, assim como o valor
elevado da moeda", sustenta Serra.
O
câmbio, na visão do economista renascentista italiano, deve ser a expressão de
um conjunto de fundamentos econômicos articulados. São eles: 1) "A grande
quantidade de manufaturas fará com que um reino ou uma cidade tenham abundância
de dinheiro quando neles se exercem muitas e variadas artes, que produzem bens
necessários, cômodos ou agradáveis aos homens, uma quantidade que excede a
necessidade do país. As manufaturas não só devem ser postas em primeiro lugar,
mas também devem ser preferidas à superabundância natural dos produtos da terra
(...) a comercialização dos produtos manufaturados é mais segura do que a dos
produtos agrícolas (fala dos problemas de conservação dos estoques), em
conseqüência, o ganho é mais certo", relata. Ele explica as vantagens
de ampliação da produção em escala das manufaturas, dá idéia do que séria
produtividade e seus resultados em relaçâo à atividade agricola limitada pelo
espaço físico. Compara a riqueza de Veneza, construída a partir da atividade de
manufatura, com as dificuldades de Nápoles, cuja vocação era agrícola.
2)
"A diligência dos habitantes existe num reino quando os habitantes, por
índole laboriosos, aplicados e de tal forma criativos, comerciam seus produtos
não apenas em seu pais, mas fora, e discutem onde e de que maneira podem
aplicar sua capacidade produtiva, em virtude da qual, sem dúvida, a cidade terá
abundância de ouro e prata, uma vez que seus habitantes ganharão dinheiro não
apenas com os negócios que podem fazer em seu pais, mas ainda com os que podem
fazer em paises alheios...".
3)
"Um grande comércio será uma das causas de abundância de dinheiro num país
quando ele é praticado com mercadorias de outros países, mais do que com os
produtos deste mesmo país, visto que a exportação dos produtos locais (de
Nápoles) excedentes não pode ser grande (...). E, por outro lado, o comércio
dos bens que um país importa por necessidade fará com que ele tenha menos e não
mais dinheiro, de maneira que se pode concluir que um grande comércio num país
surtirá o efeito acima mencionado somente com a condição de que se comerciem
bens de outros paises para outros países e não que o comércio fique limitado as
suas próprias necessidades, pois, neste caso, surtirá o efeito contrario
(efeito de acumular riqueza)."
4) A
última das causas de abundância de dinheiro é a sabedoria de quem
governa. É preciso considerar “as causas e condições que podem fazer seu
território ter abundância de moedas, saber aplicar varias providências de
acordo com os efeitos que quer produzir, removendo os obstáculos que se opõem
ao efeito desejado (...). É muito certo que, quando num reino a sabedoria de
quem governa se encontra no grau mais elevado, ela será a causa mais poderosa
entre todas para fazê-lo ter abundância de ouro e prata, podendo-se considerar
causa eficiente e agente superior as demais”, escreve Serra ao vice-rei
espanhol.
Aqui a
sua linguagem não é muito explicita, uma vez que Antonio Serra escreveu estes
textos na prisão de Vicaria e, talvez, temesse por sua integridade física
enquanto buscava a sua liberdade junto ao rei. A realidade, que fica nas
entrelinhas, é que a população de Nápoles se queixava dos estrangeiros que
controlavam a economia com apoio do Reino.
Serra
escreverá, ainda, sobre a liberdade de circulação da moeda em outros paises, as
relações de troca entre moedas e mercadorias, os efeitos da fabricação da moeda
com quantidade inferior de ouro e prata, como se fosse uma espécie de inflação,
entre temas de economia e política.
O
"Breve Tratado", editado no final de 2002, é um livre inédito no
Brasil e no exterior. Andréa e Marzia Vicentini, da editora curitibana Segesta,
descobriram Serra, por acaso, quando faziam a tradução do livro "Da
Moeda", escrito pelo francês Ferdinand Galiani em 1975. O casal de
italianos constituiu uma editora para reeditar livros clássicos de economia na
língua portuguesa. O primeiro foi "Da Moeda", depois o “Ensaio Sobre
a Natureza do Comércio em Geral” (1755), de Richard Cantillon, além de textos
de Adam Smith, Dayid Ricardo e Nicholas Barbon, entre outros. São clássicos da
economia política que hoje já podem ser lidos em português.
As
referências feitas por Ferdinand Galiani a Serra levaram o casal de editores a
fazer uma longa pesquisa até chegar aos originais escritos em 1613. Essa edição
em português foi a partir de uma reprodução anastática da edição original de
1613 e das edições posteriores de 1803 e 1816, que circularam apenas na Itália.
Posted in:
0 comentários:
Postar um comentário