quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Um X a menos na equação dos diamantes do Tapajós
ABSTRACT THE TRANSPORT OF
DIAMOND BY FLUVIAL SYSTEMS FOR LONG DISTANCE: A CRITICAI VIEW Many authors
believe in the possibility of diamond transport for hundreds of kilometers by
fluvial sedimentary processes. This work attempts to show by the integration of
alluvial placer observations, experimental data analysis and case study that
diamonds cannot be transported for long distances by tractive processes. The
presence of diamond in a large geographical area (hundreds of square
kilometers) implies in the necessity of the presence of multiple well distributed
sources, including primary (kimberlite and lamproite) or secondary (sedimentary
rocks) sources. The coarse facies related to the glaciogenic sediments are the
most important sources among the secondary host rocks. The case studies
exemplified in this paper show clearly that the wide dispersion of diamonds is
mainly explained by the presence of secondary sources with regional
distribution.
Vários
autores acreditam na possibilidade de transporte de diamantes por centenas de
quilómetros através de ambientes fluviais. Esta crença influencia diretamente
nas hipóteses dos geólogos brasileiros nas suas pesquisas para diamante, pois
os diamantes da África dominaram o mundo por muito tempo e os geólogos sul
africanos são geralmente consultores ou chefes das equipes brasileiras; esses
autores sul africanos consideram que os diamantes presentes na costa atlântica da
Namibia foram transportados pelo Rio Orange desde a região de Kimberley na África
do Sul, a uma distância superior a 1000 km no interior do continente.
Este
trabalho tenta mostrar a partir da integração da observação de placeres
aluvionares, de dados experimentais, que diamantes não podem ser transportados
por processos tracionais a longas distâncias. A presença de diamantes em uma
extensa região (milhares de quilómetros quadrados) implica na necessidade da
presença de numerosas fontes distribuídas por toda a bacia, podendo ser
representadas por fontes primárias (kimberlitos ou lamproítos), secundárias
(rochas sedimentares) ou ambas. Entre os hospedeiros secundários, as fácies
rudíticas relacionadas aos sedimentos glacio gênicos são destacados pelos
autores. O estudo dos casos exemplificados neste trabalho mostra claramente que
a grande dispersão de diamantes é devida principalmente a presença de fontes
secundárias com ampla distribuição regional.
A
análise dos processos fluviais integrados a partir de: observações de campo,
análise dos principais condicionantes para origem de placeres, resultados
experimentais de laboratório, mostra que os minerais pesados de forma geral e
os diamantes em particular apresentam curto
transporte em ambiente fluvial e uma tendência à rápida deposição. O
objetivo deste trabalho é rediscutir a questão, geralmente aceita, a respeito
da distribuição de diamantes a centenas de quilómetros de sua fonte, por
sistemas fluviais. Também objetiva mostrar como se processa o transporte de
elementos pesados por sistemas fluviais, para contribuir aos aspectos práticos
a respeito da geração de placeres e/ou paleoplaceres e para a prospecção de
depósitos primários e secundários de diamante;
Os
ambientes, onde são encontrados depósitos diamantíferos, incluem os sistemas
fluviais de leques aluviais, de rios entrelaçados, de rios meandrantes e os
depósitos resultantes da interação destes sistemas. Ambientes fluvio glaciais e
canais sub glaciais (zona basal de geleiras), também apresentam elevado potencial
para acumulação de minerais pesados, sendo as fácies sedimentares de maior
regime de fluxo conhecidas;
Contudo,
como observado por Miall (1977), as características dos vários tipos de fácies
fluviais podem se superpor no tempo e no espaço. Dessa forma, os depósitos tipo
placeres observados em cursos de rios meandrantes atuais, foram na realidade
gerados em um intervalo de tempo anterior, quando o rio apresentava um canal
mais retilíneo do tipo entrelaçado, com importante transporte e deposição de
cascalho (atualmente observados na base dos canais).
DADOS
EXPERIMENTAIS Os trabalhos experimentais convergem para os mesmos resultados,
indicando que os minerais pesados tendem a se concentrar em uma camada basal
(heavy infralayer) enquanto os leves acumulam-se posteriormente (light
supralayer). Hattingh & Rust (1993) realizaram um trabalho experimental,
onde 40 toneladas de areia de praia rica em ilmenita, granada, perovskita e limonita
foram acumuladas a montante de uma sinuosidade do curso do os minerais pesados
acumularam-se na porção interna da curva do rio e não sofreram transporte
superior a algumas centenas de metros. Sutherland (1982) propôs uma "curva
de seleção" para o diamante transportado por processos fluviais,
objetivando descrever a variação de tamanho dos diamantes com a distância da
área fonte. A curva que descreve a equação tem a forma geral de uma
exponencial:
y
= a. e {- b x(1º/2)]
onde
y é o tamanho médio da pedra a uma distância x da área fonte, x a distância
medida em quilómetros e a e b são parâmetros determinados pelo método dos
mínimos quadrados (respectivamente tamanho médio das pedras na área fonte e
constante de desintegração que varia de 0,10 a 0,20 nos sistemas naturais). A
análise numérica da equação mostra que com um transporte fluvial de cerca de
500 km uma pedra originalmente de 10 quilates teria cerca de 0,035 quilates
(3,5 pontos - tamanho aproximado de um grão de areia grossa) e que uma pedra de
cerca de 3,7 quilates (em um aluvião) deveria apresentar 100 quilates na área
fonte após um transporte de 400 km. Este fato mostra que mesmo uma equação
teórica obtida através de análises empíricas, não sustenta a ideia de um longo transporte
pelos sistemas fluviais, pois diamantes de dezenas de quilates são
relativamente comuns em vários depósitos secundários.
Mesmo
considerando a atuação de sucessivos ciclos de transporte fluvial, e não o
transporte em um instante de tempo, como até então estabelecido, não se deve
esperar a transferência de diamantes por centenas de quilómetros em uma bacia
sedimentar, uma vez que o contraste de densidade entre o diamante (ρ = 3,5) e
os materiais componentes dos cascalhes fluviais (média de ρ = 2,75) é
significativo, resultando em uma tendência geral para a deposição destes
minerais. O único ambiente deposicional capaz de transportar diamantes por distâncias
consideráveis é o sistema glacial, que através do transporte de grande volume
de massa pela expansão das capas de gelo, pode ser responsável pela
transferência de material por até centenas de quilômetros.
ANÁLISE
DE CASOS: Objetivando exemplificar as ideias discutidas nesta contribuição
foram escolhidos dois exemplos de depósitos diamantíferos associados a sistemas
fluviais bastante difundidos na literatura. Os exemplos escolhidos são
representados pelos depósitos diamantíferos da região da Serra do Espinhaço
Meridional, incluindo os aluviões do Rio Jequitinhonha, no estado de Minas
Gerais, e pelos depósitos diamantíferos do Rio Orange, na África do Sul e na
Namíbia, bem como pelos placeres diamantíferos da costa atlântica destes
países.
Rio
Jequitinhonha (Brasil) O Rio Jequitinhonha está localizado no nordeste do
Estado de Minas Gerais, em uma região que durante o século XVIII foi
responsável pela maior produção mundial de diamantes. As ocorrências
diamantíferas estão distribuídas por cerca de 400 quilómetros ao longo do curso
fluvial. Neste trecho do rio existe uma marcante variação do tamanho médio das
pedras recuperadas dos aluviões e paleoaluviões cenozóicos.
O
Rio Jequitinhonha é diamantífero desde sua nascente, onde drena metaconglomerados
da Formação Sopa-Brumadinho, sendo as ocorrências de diamantes distribuídas
onde o curso fluvial intercepta as rochas do Supergrupo Espinhaço e do Grupo
Macaúbas (e.g. região da Mineração Rio Novo). No momento em que o rio flui
sobre as fácies distais do Grupo Macaúbas, a presença de diamantes diminui sensivelmente,
desaparecendo completamente nos trechos sobre as rochas granito-gnáissicas do
embasamento cristalino. As ocorrências diamantíferas são apenas observadas nas
regiões proximais aos hospedeiros secundários, sendo sua ampla distribuição
relacionada à grande dispersão das fontes secundárias.
A
simples observação dos dados de variação de peso médio dos diamantes ao longo
de mais de 250 quilómetros do Rio Jequitinhonha (Haralyi et al. 1991) permite
concluir que o sistema fluvial foi responsável por um transporte reduzido.
A
partir da análise anterior, foi possível mostrar que o Rio Jequitinhonha é mais
um exemplo de um sistema natural que demonstra claramente o transporte de
diamantes a pequenas distâncias por sistemas fluviais. O mesmo raciocínio pode
ser desenvolvido para as ocorrências secundárias oriundas dos kimberlitos da
região de Juína/MT, onde os placeres via de regra, se distribuem no máximo a dezenas
de quilómetros das fontes primárias.
Inúmeros
autores acreditam que a origem dos diamantes do Rio Orange, na África do Sul, e
dos depósitos diamantíferos na costa atlântica da África do Sul e Namíbia,
esteja ligada a fontes primárias localizadas no Cráton de Kapvaal, distantes a cerca
de 1200 quilómetros. Rouffaer (1988) e Marshall & Baxter-Brown (1995), ao
contrário, afirmam que os diamantes são derivados de rochas
sedimentares.glaciogênicas permo-carboníferas relacionados à Formação Dwyka. O
teor geral de diamantes nos sedimentos Dwyka é bastante baixo. Porém, assumindo
a presença de menos de um quilate por milhões de toneladas de sedimento,
depósitos resultantes da erosão e reconcentração de bilhões de toneladas destes
sedimentos poderiam explicar os depósitos secundários do Rio Orange, como
também da costa atlântica (Marshall & Baxter-Brown 1995). Na realidade, os
diamantes do Rio Orange são oriundos de diversos afloramentos de sedimentos
Dwyka (fontes secundárias) e foram transportados por alguns quilómetros, sendo
retidos por diversos tipos de armadilhas fluviais. É muito importante citar que
a região da foz do Rio Orange apresenta uma mediana de peso dos diamantes
superior àquela observada no seu alto curso (Rombouts 1995). Tal fato não é
compatível com a distribuição de tamanhos de diamantes transportados em regimes
fluviais e vem reforçar a presença de várias fontes secundárias ao longo do
curso fluvial.
Este
exemplo, juntamente com o do Rio Jequitinhonha no Brasil, reforça
significativamente dois pontos de vista que ainda se encontram pouco difundidos
na literatura geológica:
-
os processos glaciais são poderosos agentes de transporte e, em alguns casos,
de concentração de diamantes e outros minerais pesados;
-
os sistemas fluviais não são agentes capazes de transportar diamantes a
centenas de quilómetros de distância das fontes.
CONCLUSÕES
O diamante, por ser um mineral pesado, cujas características físicas e químicas
lhe conferem extrema resistência e estabilidade durante o transporte, pode ser
retrabalhado a partir de suas fontes através de sucessivos ciclos
deposicionais.
-
os sistemas deposicionais do tipo rios entrelaçados, com pre-domínio de
transporte de cascalhes juntamente com fácies fluvio-glaciais e canais
subglaciais, são os agentes mais eficientes na concentração de minerais
pesados.
-
os sistemas fluviais transportam minerais pesados a distâncias reduzidas,
geralmente não compatíveis com centenas de quilómetros da fonte, como
usualmente é sugerido na literatura. A tendência natural do diamante é a rápida
deposição nas fácies proximais nos ambientes de maior energia.
-
quando ocorrências diamantíferas são distribuídas por uma grande região,
deve-se esperar a presença de várias fontes (primárias ou hospedeiros
secundários) ao longo de todo o sistema fluvial, já que de uma forma geral, os
minerais pesados não são transportados por longas distâncias em regimes
fluviais. Estes minerais ficarão retidos nas várias modalidades de armadilhas
nas regiões proximais das fontes. As fontes primárias diamantíferas apresentam
uma dispersão de pequena magnitude, enquanto os hospedeiros secundários podem
apresentar uma distribuição geográfica muito ampla.
-
Dentre os possíveis hospedeiros secundários, que podem ser de diversos tipos,
destaca-se os sedimentos glaciogênicos, que apresentam uma capacidade de
transporte de centenas de quilómetros e em alguns casos apresentam condições de
concentrar diamantes e outros minerais pesados.
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