sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O pior para as mulheres dos garimpeiros não é ficarem viúvas, é não ser reconhecidas como tal

As mulheres que ficam no Maranhão esperando tal qual “Penélope esperando Ulisses”, porem, seus Ulisses jamais voltaram ou voltarão para sua Itaca, e deixam mulheres muitas vezes cheias de filhos, sem ter como se sustentar, muitas delas caindo na prostituição, e os filhos gerando carne a ser moída nas maquinas da vida. São os órfãos do garimpo.
Isto, apesar de ser um problema social contundente ainda não é o pior, pois afinal as viúvas do garimpo acabam encontrando outro companheiro e os órfãos são geralmente distribuídos na família, característica solidária típica da sociedade do norte do Brasil.
O pior é a atitude da administração pública brasileira que não fornece às famílias os atestados de óbito
A estória real abaixo demonstra essa dificuldade:
Dona Francisca vive hoje no sitio de um deputado no Baixo Acara, próximo a Belém, com o atual companheiro, caseiro da propriedade.
Ela necessita de um atestado de óbito para o marido falecido na vila de Creporizão, no município de Itaituba, em 1988, para poder ser considerada viúva perante a lei e poder casar com o companheiro com o qual ela ja tem dois filhos. Ela teve três com o marido e todos eles moram no Maranhão e foram criados pela avô paterna, também viúva de um garimpeiro.
Dona Francisca soube pelos colegas maranhenses garimpeiros do marido que ele morreu esfaqueado num bordel da vila, por causa de briga por uma mulher da boate.
Sendo amigo do dono do sitio e sabendo das minhas andanças pelos garimpos, ela me pediu para tentar achar uma solução para o caso dela.
Ao visitar a vila de Creporizão, solicitei ao famoso Joia, sub prefeito nomeado da vila ajuda neste sentido; ele mandou verificar nos registros da policia local e não encontrou nenhuma caso do assassinato para o ano informado, mas o próprio delegado atual confessou que na época não havia real interesse em registrar fato tão corriqueiro, pois eram dezenas por dia. Ao visitarmos o único cemitério local, com as cruzes de madeira toscas comidas pelos cupins, entendemos que não haveria possibilidade de encontrar um registro do túmulo (na época os enterros eram realizados em fossas comuns) e voltei para o sitio do Acara e para nossa Dona Francisca de mãos vazias.
O patrão do companheiro dela é um deputado famoso e mesmo com todo o seu poder nada pude fazer.
Mesmo assim, insisti e ao procurar um advogado público em Itaituba, capital dos garimpos, eu fui informado que o caso poderia ser levado para um juiz para conseguir uma certidão de óbito: três testemunhas do assassinato ocorrido 26 anos atrás deveriam comparecer frente a um juiz de qualquer comarca e este se convencido do falecimento outorgaria a certidão de óbito. Mas Dona Francisca não conseguiu encontrar nenhuma testemunha sobrevivente e mesmo se achasse, não teria como arcar com os custos para agregar estas num único lugar desta imensa Amazônia.
Muitas mulheres em especial, maranhenses estão vivendo a mesma situação, não podendo receber pensões dos seus maridos mortos, por não conseguir atestados de óbito e ficando bloqueadas para a vida toda, eternamente casadas sem maridos.
É um dever das secretarias de assistências sociais do Para e do Maranhão ajudar essas mulheres para a obtenção destas certidões. É um dever da Justiça brasileira facilitar os tramites para a obtenção de um atestado de óbito para estas mulheres. É uma obrigação dos legisladores encontrar uma forma legal, simples e gratuita para declarar o que elas são: VIÚVAS DO GARIMPO



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