Diante da importância que o penhor representa à
economia popular e o fato de incorporar aspectos culturais de um povo, cabe
perguntar: como são feitas as avaliações de penhor? Que métodos são
utilizados para identificar joias confeccionadas com diferentes metais
preciosos? De um modo geral, o processo de avaliação de objetos de valor
encontra-se dividido em três etapas, sendo elas: a identificação, a
classificação e a precificação.
Identificação
Na etapa de identificação, procura-se
caracterizar de qual metal ou liga deste é feita a peça sob avaliação. O primeiro
procedimento consiste na realização de um exame preliminar, em que se utiliza
a lupa de aumento para verificar a existência de soldas, pontos de oxidação,
grife ou marca da peça, defeitos, adornos e características de imitação.
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Algumas peças podem apresentar adornos de
diamante. A caracterização da presença de diamante é feita utilizando-se a
garra de diamantes e a ponta de dureza. A garra de diamantes (uma espécie de
pinça metálica), como o próprio nome indica, serve para segurar a amostra – quando
o cliente a traz solta – além de manter o diamante preso, diminuindo o risco
de perda.
A ponta de dureza é uma barra de metal com um
pequeno cristal de diamante verdadeiro fixo na sua ponta e serve para testar
a dureza da peça em avaliação. Se a peça for um diamante falso (por exemplo,
de vidro), a ponta de dureza é capaz de riscar a peça e atestar sua
falsidade. Se o diamante for verdadeiro, não será possível observar o
aparecimento de um risco sobre ele.
Esse teste de dureza é baseado na escala de Mohs,
desenvolvida pelo mineralogista Friedrich Mohs em 1812. Ele analisou a dureza
de 10 minerais mais comuns encontrados na natureza, atribuindo valores de 1 a
10. Assim, o valor 1 foi atribuído ao talco (o menos duro) e o 10, ao
diamante, que é a substância mais dura existente na natureza
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O segundo procedimento consiste em determinar
duas grandezas físicas da peça, a saber: a massa e as dimensões. A massa da
peça é determinada por meio de uma balança de precisão, e as dimensões, com
um paquímetro. Em muitos casos, a identificação pode ser concluída com base nesses dois procedimentos descritos.
Nos casos em que a identificação ainda não é
conclusiva, um terceiro procedimento consiste em determinar a densidade do
metal (ou liga metálica) de que a peça é feita. Para isso, utiliza-se uma
balança hidrostática, em que é feita a medida do peso da peça seca e o peso
da peça imersa em água. Dividindo-se o peso da peça seca pela diferença entre
os pesos da peça seca e da peça em água, obtém-se o valor da densidade da
peça. Esse procedimento foi desenvolvido por Galileu Galilei (1564- 1642) e
seu funcionamento baseia-se no princípio de Arquimedes. A consulta a uma
tabela de densidades para diferentes metais e ligas metálicas permite, assim,
a identificação da composição da peça. Por exemplo, no caso de identificação
de barras de ouro, o valor da densidade deve ser próximo a 19 g/cm3,
que é o valor da densidade da substância ouro. Já no caso de uma joia
confeccionada com uma liga de ouro, um valor de densidade acima de 14 g/cm3 indica
tratar-se de uma peça de ouro de, no mínimo, 18 quilates.
Em alguns casos, o aspecto visual da peça é
semelhante ao do ouro, e a densidade medida tem valor muito próximo ou igual
ao da densidade do ouro. No entanto, a peça pode ser na verdade uma
falsificação, pois pode ter havido o enchimento do interior da peça com um
metal de menor valor, mas de densidade próxima à do ouro. Assim, para
caracterizar a presença de um enchimento, realiza-se a limagem da peça por
meio de uma lima. Como esse procedimento danifica a peça, ele só é utilizado
com o aval do portador da peça.
Os procedimentos até aqui descritos podem ser
caracterizados como testes físicos. Quando estes não são conclusivos ou
quando há necessidade de testes adicionais para confirmar os resultados
preliminares obtidos, utilizam-se, então, os testes envolvendo transformações
químicas. Estes fazem uso de soluções ácidas,
a saber: a água forte e a água régia. Essa nomenclatura não é condizente com
a nomenclatura química moderna, porém ainda é mantida por razões históricas.
A água régia consiste de uma solução de
composição, em média, de 30% em volume de ácido nítrico
concentrado e 70% em volume de ácido clorídrico concentrado. Já o termo água
forte foi introduzido na Química no século XVII para designar soluções
diluídas de ácido nítrico em água.
O uso das soluções ácidas é feito acoplado a uma
pedra denominada pedra de toque. Esta consiste em um pedaço de rocha (basalto
ou ardósia), de cor escura e bastante dura. Inicialmente, faz-se sobre a
pedra de toque dois traços, um do metal (ou liga) que se quer identificar e
outro com uma amostra-padrão de composição conhecida. A própria semelhança na
cor dos dois traços pode ser utilizada como parâmetro para diferenciação.
Exemplos de amostras-padrão vendidas comercialmente contêm cinco ligas
metálicas diferentes, sendo elas: ouro branco 18 quilates (75% ouro e 25%
paládio), prata 925 (92,5% de prata e 7,5% cobre), prata 999 (99,9% de prata)
e paládio e platina praticamente puros.
Quando ainda permanecem dúvidas, as soluções
ácidas são utilizadas associadas à pedra de toque. Faz-se um risco da peça
avaliada na pedra de toque e, em seguida, são gotejadas pequenas quantidades
de solução ácida (água régia ou
água forte) sobre o risco.
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O ouro é um metal resistente a ácidos, porém, em presença de água régia, ocorre
uma reação química que leva à formação de produtos solúveis. O aparente
desaparecimento do traço sobre a pedra de toque indica a presença de ouro na
peça. A equação química que descreve o processo é:
Au(s) + 4HCl(l) + HNO3(aq) → H(AuCl4)
(aq) + NO (g) + 2H2O (l)
No entanto, a maioria das peças comercializadas é
confeccionada com uma liga de cobre e ouro e, nesses casos, o que se observa
ao gotejar a água régia sobre o traço do metal é o aparecimento de uma
coloração esverdeada. Como mencionado anteriormente, o ouro 18 quilates
consiste numa mistura de 75% em massa de ouro e 25% em massa de cobre, sendo
a quantidade de ouro na liga indicada em quilates, de modo que o ouro puro é
denominado de ouro 24 quilates. Portanto, quanto mais baixo for o número de
quilates, menor será a quantidade de ouro e maior será a quantidade de cobre.
O cobre presente na liga formada com o ouro reage
com a água régia, formando produtos solúveis. A equação química que descreve
o fenômeno observado é:
3Cu(s) + 6HCl(aq) + 2HNO3(aq) → 3CuCl2(aq)
+ 2NO(g) + 4H2O (l)
Nesse processo, há a formação de cloreto de cobre
(II) que, quando hidratado, apresenta coloração esverdeada. A intensidade da
coloração verde observada sobre o traço feito na pedra de toque é
proporcional ao teor de cobre na peça.
Para as peças confeccionadas com o metal prata, o
que se observa é o aparecimento de uma coloração esbranquiçada sobre o traço
na pedra de toque. O fenômeno que ocorre resulta da reação da prata com a
água régia, formando, entre outros produtos, o nitrato de prata que é
solúvel. Esse composto, em seguida, reage com o ácido clorídrico
presente, com a consequente formação de cloreto de prata, que é um sólido
branco insolúvel. As equações químicas que descrevem o fenômeno são:
3Ag(s) + 4HNO3(aq) → 3AgNO3(aq)
+ NO(g) + 2H2O(l)
AgNO3(aq) + HCl(aq) → AgCl(s)
+ HNO3(aq)
Para os objetos de valor que contêm platina em
sua composição, a adição de água régia ao traço sobre a pedra de toque leva
também a um aparente desaparecimento do traço. A platina, semelhantemente ao
ouro, não reage com ácidos concentrados
ou diluídos, à exceção da água régia, formando também produtos solúveis. A
equação química que descreve o fenômeno é:
3Pt(s) + 4HNO3(aq) + 18HCl(aq) → 3H2[PtCl6](aq)
+ 4NO(g) + 8H2O(l)
Apesar de o ouro e a platina reagirem de maneira
similar em contato com a água régia, cada um desses metais possui
características físicas que os diferem um do outro. O ouro, além de ser de
cor amarela, é um metal mole, já a platina é um metal branco acinzentado e de
alta dureza.
Apesar dos recursos e das técnicas utilizadas
para se realizar uma correta avaliação da composição da peça, toda avaliação
está sujeita a análise e interpretação do avaliador.
Classificação
Após identificação da composição da peça, esta é
classificada de acordo com o teor do metal precioso na liga e de acordo com
seu tipo, isto é, se a peça é reciclável, comercial ou fina. A peça
reciclável é aquela antiga, fora de moda e com um mau acabamento. A comercial
é moderna, com bom estado de conservação e acabamento. A fina corresponde a
uma peça exclusiva com alto grau de complexidade na confecção e no excelente
acabamento.
Precificação
A precificação corresponde à última etapa do processo
de avaliação, em que será calculado o preço da peça. Para isso, são
utilizadas tabelas de valores de referência de metais preciosos. Nas tabelas,
estão relacionados os valores por grama do metal ou liga do metal precioso.
Nessa etapa, é possível, a critério do avaliador, acrescentar valor à peça em
até 50% dos valores tabelados, caso sejam identificados atributos históricos
e ou artísticos na peça.
Uma vez finalizada a avaliação, o empréstimo a
ser concedido está limitado a 85% do valor da avaliação do bem oferecido como
garantia. Em média, uma peça, por exemplo, contendo 10 gramas de ouro 18
quilates, é avaliada entre R$ 300,00 a 400,00. Já uma peça contendo 10 gramas
de platina com 99% de pureza é avaliada entre R$ 500,00 a R$ 600,00.
Dos cerca de oito milhões de contratos de
empréstimos sob penhor realizados em 2010 no Brasil e que movimentaram um
volume total da ordem de R$ 5,8 bilhões, a participação destinada às pessoas
de menor renda envolveu cerca de R$ 1,4 bilhão. Cabe citar que atualmente 75%
dos contratos de penhor são feitos predominantemente por mulheres com idade
entre 35 e 50 anos.
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Concluindo
Pelo que acabamos de ver, a atividade de penhor
pode ser caracterizada como um trabalho de investigação, utilizando materiais
e métodos da química. O processo de formação de avaliadores, geralmente, é
realizado pela própria instituição responsável pela atividade de penhor, não
sendo considerados necessários conhecimentos específicos de química. A
ciência Química tem desenvolvido nos últimos anos métodos e equipamentos que
permitem análises mais confiáveis, mais rápidas e não destrutivas e, sem
sombra de dúvida, poderia contribuir para o aperfeiçoamento de tão importante
atividade econômica e social.
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Nota
1. Um relevante filme que aborda a atividade de
penhor é O homem do prego (título em inglês: The Pawnbroker,
1964, direção de Sidney Lumet), considerado um clássico da cinematografia
norte-americana.
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