quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

aprende a calcular o valor de uma peça preciosa

Diante da importância que o penhor representa à economia popular e o fato de incorporar aspectos culturais de um povo, cabe perguntar: como são feitas as avaliações de penhor? Que métodos são utilizados para identificar joias confeccionadas com diferentes metais preciosos? De um modo geral, o processo de avaliação de objetos de valor encontra-se dividido em três etapas, sendo elas: a identificação, a classificação e a precificação.
Identificação 
Na etapa de identificação, procura-se caracterizar de qual metal ou liga deste é feita a peça sob avaliação. O primeiro procedimento consiste na realização de um exame preliminar, em que se utiliza a lupa de aumento para verificar a existência de soldas, pontos de oxidação, grife ou marca da peça, defeitos, adornos e características de imitação.


Algumas peças podem apresentar adornos de diamante. A caracterização da presença de diamante é feita utilizando-se a garra de diamantes e a ponta de dureza. A garra de diamantes (uma espécie de pinça metálica), como o próprio nome indica, serve para segurar a amostra – quando o cliente a traz solta – além de manter o diamante preso, diminuindo o risco de perda.
A ponta de dureza é uma barra de metal com um pequeno cristal de diamante verdadeiro fixo na sua ponta e serve para testar a dureza da peça em avaliação. Se a peça for um diamante falso (por exemplo, de vidro), a ponta de dureza é capaz de riscar a peça e atestar sua falsidade. Se o diamante for verdadeiro, não será possível observar o aparecimento de um risco sobre ele.
Esse teste de dureza é baseado na escala de Mohs, desenvolvida pelo mineralogista Friedrich Mohs em 1812. Ele analisou a dureza de 10 minerais mais comuns encontrados na natureza, atribuindo valores de 1 a 10. Assim, o valor 1 foi atribuído ao talco (o menos duro) e o 10, ao diamante, que é a substância mais dura existente na natureza



O segundo procedimento consiste em determinar duas grandezas físicas da peça, a saber: a massa e as dimensões. A massa da peça é determinada por meio de uma balança de precisão, e as dimensões, com um paquímetro. Em muitos casos, a identificação pode ser concluída com base nesses dois procedimentos descritos.
Nos casos em que a identificação ainda não é conclusiva, um terceiro procedimento consiste em determinar a densidade do metal (ou liga metálica) de que a peça é feita. Para isso, utiliza-se uma balança hidrostática, em que é feita a medida do peso da peça seca e o peso da peça imersa em água. Dividindo-se o peso da peça seca pela diferença entre os pesos da peça seca e da peça em água, obtém-se o valor da densidade da peça. Esse procedimento foi desenvolvido por Galileu Galilei (1564- 1642) e seu funcionamento baseia-se no princípio de Arquimedes. A consulta a uma tabela de densidades para diferentes metais e ligas metálicas permite, assim, a identificação da composição da peça. Por exemplo, no caso de identificação de barras de ouro, o valor da densidade deve ser próximo a 19 g/cm3, que é o valor da densidade da substância ouro. Já no caso de uma joia confeccionada com uma liga de ouro, um valor de densidade acima de 14 g/cm3 indica tratar-se de uma peça de ouro de, no mínimo, 18 quilates.
Em alguns casos, o aspecto visual da peça é semelhante ao do ouro, e a densidade medida tem valor muito próximo ou igual ao da densidade do ouro. No entanto, a peça pode ser na verdade uma falsificação, pois pode ter havido o enchimento do interior da peça com um metal de menor valor, mas de densidade próxima à do ouro. Assim, para caracterizar a presença de um enchimento, realiza-se a limagem da peça por meio de uma lima. Como esse procedimento danifica a peça, ele só é utilizado com o aval do portador da peça.
Os procedimentos até aqui descritos podem ser caracterizados como testes físicos. Quando estes não são conclusivos ou quando há necessidade de testes adicionais para confirmar os resultados preliminares obtidos, utilizam-se, então, os testes envolvendo transformações químicas. Estes fazem uso de soluções ácidas, a saber: a água forte e a água régia. Essa nomenclatura não é condizente com a nomenclatura química moderna, porém ainda é mantida por razões históricas. A água régia consiste de uma solução de composição, em média, de 30% em volume de ácido nítrico concentrado e 70% em volume de ácido clorídrico concentrado. Já o termo água forte foi introduzido na Química no século XVII para designar soluções diluídas de ácido nítrico em água.
O uso das soluções ácidas é feito acoplado a uma pedra denominada pedra de toque. Esta consiste em um pedaço de rocha (basalto ou ardósia), de cor escura e bastante dura. Inicialmente, faz-se sobre a pedra de toque dois traços, um do metal (ou liga) que se quer identificar e outro com uma amostra-padrão de composição conhecida. A própria semelhança na cor dos dois traços pode ser utilizada como parâmetro para diferenciação. Exemplos de amostras-padrão vendidas comercialmente contêm cinco ligas metálicas diferentes, sendo elas: ouro branco 18 quilates (75% ouro e 25% paládio), prata 925 (92,5% de prata e 7,5% cobre), prata 999 (99,9% de prata) e paládio e platina praticamente puros.
Quando ainda permanecem dúvidas, as soluções ácidas são utilizadas associadas à pedra de toque. Faz-se um risco da peça avaliada na pedra de toque e, em seguida, são gotejadas pequenas quantidades de solução ácida (água régia ou água forte) sobre o risco.



O ouro é um metal resistente a ácidos, porém, em presença de água régia, ocorre uma reação química que leva à formação de produtos solúveis. O aparente desaparecimento do traço sobre a pedra de toque indica a presença de ouro na peça. A equação química que descreve o processo é:
Au(s) + 4HCl(l) + HNO3(aq)  H(AuCl4) (aq) + NO (g) + 2H2O (l)
No entanto, a maioria das peças comercializadas é confeccionada com uma liga de cobre e ouro e, nesses casos, o que se observa ao gotejar a água régia sobre o traço do metal é o aparecimento de uma coloração esverdeada. Como mencionado anteriormente, o ouro 18 quilates consiste numa mistura de 75% em massa de ouro e 25% em massa de cobre, sendo a quantidade de ouro na liga indicada em quilates, de modo que o ouro puro é denominado de ouro 24 quilates. Portanto, quanto mais baixo for o número de quilates, menor será a quantidade de ouro e maior será a quantidade de cobre.
O cobre presente na liga formada com o ouro reage com a água régia, formando produtos solúveis. A equação química que descreve o fenômeno observado é:
3Cu(s) + 6HCl(aq) + 2HNO3(aq)  3CuCl2(aq) + 2NO(g) + 4H2O (l)
Nesse processo, há a formação de cloreto de cobre (II) que, quando hidratado, apresenta coloração esverdeada. A intensidade da coloração verde observada sobre o traço feito na pedra de toque é proporcional ao teor de cobre na peça.
Para as peças confeccionadas com o metal prata, o que se observa é o aparecimento de uma coloração esbranquiçada sobre o traço na pedra de toque. O fenômeno que ocorre resulta da reação da prata com a água régia, formando, entre outros produtos, o nitrato de prata que é solúvel. Esse composto, em seguida, reage com o ácido clorídrico presente, com a consequente formação de cloreto de prata, que é um sólido branco insolúvel. As equações químicas que descrevem o fenômeno são:
3Ag(s) + 4HNO3(aq)  3AgNO3(aq) + NO(g) + 2H2O(l)
AgNO3(aq) + HCl(aq)  AgCl(s) + HNO3(aq)
Para os objetos de valor que contêm platina em sua composição, a adição de água régia ao traço sobre a pedra de toque leva também a um aparente desaparecimento do traço. A platina, semelhantemente ao ouro, não reage com ácidos concentrados ou diluídos, à exceção da água régia, formando também produtos solúveis. A equação química que descreve o fenômeno é:
3Pt(s) + 4HNO3(aq) + 18HCl(aq)  3H2[PtCl6](aq) + 4NO(g) + 8H2O(l)
Apesar de o ouro e a platina reagirem de maneira similar em contato com a água régia, cada um desses metais possui características físicas que os diferem um do outro. O ouro, além de ser de cor amarela, é um metal mole, já a platina é um metal branco acinzentado e de alta dureza.
Apesar dos recursos e das técnicas utilizadas para se realizar uma correta avaliação da composição da peça, toda avaliação está sujeita a análise e interpretação do avaliador.
Classificação 

Após identificação da composição da peça, esta é classificada de acordo com o teor do metal precioso na liga e de acordo com seu tipo, isto é, se a peça é reciclável, comercial ou fina. A peça reciclável é aquela antiga, fora de moda e com um mau acabamento. A comercial é moderna, com bom estado de conservação e acabamento. A fina corresponde a uma peça exclusiva com alto grau de complexidade na confecção e no excelente acabamento.
Precificação 
A precificação corresponde à última etapa do processo de avaliação, em que será calculado o preço da peça. Para isso, são utilizadas tabelas de valores de referência de metais preciosos. Nas tabelas, estão relacionados os valores por grama do metal ou liga do metal precioso. Nessa etapa, é possível, a critério do avaliador, acrescentar valor à peça em até 50% dos valores tabelados, caso sejam identificados atributos históricos e ou artísticos na peça.
Uma vez finalizada a avaliação, o empréstimo a ser concedido está limitado a 85% do valor da avaliação do bem oferecido como garantia. Em média, uma peça, por exemplo, contendo 10 gramas de ouro 18 quilates, é avaliada entre R$ 300,00 a 400,00. Já uma peça contendo 10 gramas de platina com 99% de pureza é avaliada entre R$ 500,00 a R$ 600,00.
Dos cerca de oito milhões de contratos de empréstimos sob penhor realizados em 2010 no Brasil e que movimentaram um volume total da ordem de R$ 5,8 bilhões, a participação destinada às pessoas de menor renda envolveu cerca de R$ 1,4 bilhão. Cabe citar que atualmente 75% dos contratos de penhor são feitos predominantemente por mulheres com idade entre 35 e 50 anos.

Concluindo
Pelo que acabamos de ver, a atividade de penhor pode ser caracterizada como um trabalho de investigação, utilizando materiais e métodos da química. O processo de formação de avaliadores, geralmente, é realizado pela própria instituição responsável pela atividade de penhor, não sendo considerados necessários conhecimentos específicos de química. A ciência Química tem desenvolvido nos últimos anos métodos e equipamentos que permitem análises mais confiáveis, mais rápidas e não destrutivas e, sem sombra de dúvida, poderia contribuir para o aperfeiçoamento de tão importante atividade econômica e social.

Nota
1. Um relevante filme que aborda a atividade de penhor é O homem do prego (título em inglês: The Pawnbroker, 1964, direção de Sidney Lumet), considerado um clássico da cinematografia norte-americana.

     

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