quinta-feira, 21 de agosto de 2014

CRÍTICAS AO MOVIMENTO DE UM DIREITO “JUSTO” PARA O CASO DOS GRUPOS DIFERENCIADOS COMO GARIMPEIROS.

O Texto foi enviado pelo geólogo Fernando Lemos


Em que pese o saber jurídico e toda fundamentação teórica, social política e econômica, o Direito Alternativo tem recebido as mais variadas críticas, dos mais variados matizes.
A alternatividade ao direito estatal leva, inexoravelmente à construção de um novo modelo, pois não se concebe uma ordem integradora e reguladora das interações sociais sem um modelo de regras; do contrário não haverá outro destino, senão à anarquia. Destarte, o direito alternativo deve se manifestar em um novo sistema jurídico: seja instituinte, insurgente ou achado na rua. Seus defensores propugnam pela ação transformadora do direito, imprimindo mudanças sociais através da "aplicação de um "outro" direito, gerado espontaneamente no seio dos movimentos sociais e substituindo paulatinamente o "opressor" direito do Estado".
Dentre as críticas que se estabelecem, destaca-se a realizada sobre o ponto de vista metodológico, vez que se pretende a coexistência de um direito estatal, taxativo, concebido pela vontade política, com exercício de soberania sobre qualquer outro sistema de regramento social; com um direito insurgente, comunitário, que se contrapõe a esse direito estatal, mesmo que ideologicamente se pretenda.
Um "direito justo" nascido e voltado espontaneamente às necessidades peculiares de determinados sujeitos coletivos.
De outro lado, o direito alternativo, do sujeito coletivo flui para o pluralismo jurídico, pela insurgência do direito comunitário, peculiar, adequado aos grupos cujos componentes se identificam, em relação ao espaço vital (favelas), interesses ideológicos (sem terra), ou para ir mais longe, em torno de objetivos absolutamente ilícitos (máfia), vez que a vontade popular (formal), representada no direito estatal, não atende ou contraria os interesses dessas sociedades, cuja efetiva aplicação poderia alcançar o status de ilegalidade.
Em Portugal, no período imediatamente posterior à "Revolução dos Cravos", as denúncias em relação às ações desenvolvidas no período de exceção próximo, levaram à uma profunda crise de legitimidade o direito estatal, considerado "burocrático", de que não atendia aos interesses populares. Daí a institucionalização de tribunais de base, populares, assembléias; associações de estudantes, vizinhos, operários etc.
Foi um período de rica experiência na distribuição de justiça e solução de conflitos. Expressões frequentes como "O povo é que mais ordena", "legalidade revolucionária", "dinâmica do processo revolucionário em curso", levaram a instituir como principal o novo direito e a capacidade de aferir a legitimidade do direito estatal e sua conformidade como direito revolucionário.
Decorreu o "saneamento" da Faculdade de Direito de Lisboa, com a exclusão dos professores, que "foram substituídos por trabalhadores, militantes políticos e juristas comprometidos com as lutas populares". À justiça oficial, considerada muito cara, inacessível, acadêmica, "afastada das massas populares e marcada pelo espírito de casta", se pretendia organizações de massas, mescladas por populares e juízes de carreira, que, entretanto, nunca se estabeleceu, considerada "suspeita, muitos juristas, mesmo de esquerda".
Relata, Hespanha, um dos poucos "julgamentos populares":
O mais conhecido foi o "caso José Diogo", em que um trabalhador rural matara, na seqüência de uma discussão, o proprietário das terras em que trabalhava. No dia do julgamento oficial uma multidão ocupou o tribunal e, substituindo-se aos juízes (que decidiram adiar o julgamento, transferindo-o para outra comarca), constituiu um tribunal popular e condenou [...] o morto, classificando o homicídio como um ato de legítima defesa.
Entretanto, essa aplicação do uso alternativo do direito, com inversão da legalidade do direito estatal acabou com a demissão, por parte do Conselho Superior da Magistratura, de um juiz que insistia em indeferir in limine as ações de despejo, por considerá-las contrárias às garantias constitucionais relacionadas ao direito de habitação.
Nestas plagas, Gilberto Calado aproxima-se da passionalidade ao atacar o direito alternativo (cujos eventos propagandísticos considera um levante), a ele atribuindo um caráter dialético e sectário de um processo revolucionário que tem por fim aniquilar o direito posto, insuflando a luta de classes. Da apresentação de sua obra, tem-se a síntese de sua contrariedade:
Pari passu a inserção de um discurso menos agressivo, porém subordinado às teses aproveitáveis de Marx, vai criando uma atmosfera de confusão tépida, discreta e cômoda, de modo que a transição dialética e sectária do processo revolucionário alternativo (da primeira etapa de aniquilamento do direito tradicional para a segunda e definitiva etapa da utopia autogestionária possa seguir progressiva e sem obstáculos.
Em que pese o profundo escopo humanístico em que se fundamenta ética e moralmente o Direito Alternativo, muitas são as críticas que a ele endereçada por Gilberto Calado:
O direito alternativo nasce da concepção marxista de lutas entre classes, e tem seu cerne na crítica do chamado direito dominante, ou o direito como instrumento de dominação a serviço da burguesia.
O direito alternativo é contraditório, é a antítese do direito tradicional; seu discurso é livre e de uma tal liberdade que, dentro de sua dialética real, não admite nenhum princípio de justiça, neutralidade ou imparcialidade de seus aplicadores.
O ideário alternativo é a construção de uma sociedade democrática, autogestora e socialista, livre de revoluções ou crimes: um paraíso quimérico e anárquico. Homens que não erram, nem intelectual nem moralmente, ou nos quais o erro é tão ligeiro que uma elucidação cordial os põe logo no justo caminho, têm necessariamente uma vida política sem atrito nem fricções.
CONCLUSÃO

O direito alternativo, como proposta de abolir o direito estatal e adoção de um pluralismo jurídico, não nos parece um avanço no ordenamento jurídico, quer para favorecer as classes menos favorecidas, quer para alcançar, através do direito denominado achado na rua a praxis do justo pela possibilidade do tratamento isonômico.

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