quinta-feira, 21 de agosto de 2014
CRÍTICAS AO MOVIMENTO DE UM DIREITO “JUSTO” PARA O CASO DOS GRUPOS DIFERENCIADOS COMO GARIMPEIROS.
A alternatividade ao direito
estatal leva, inexoravelmente à construção de um novo modelo, pois não se
concebe uma ordem integradora e reguladora das interações sociais sem um modelo
de regras; do contrário não haverá outro destino, senão à anarquia. Destarte, o direito alternativo deve
se manifestar em um novo sistema jurídico: seja
instituinte, insurgente ou achado na rua. Seus defensores propugnam pela
ação transformadora do direito, imprimindo mudanças sociais através da
"aplicação de um "outro" direito, gerado espontaneamente no seio
dos movimentos sociais e substituindo paulatinamente o "opressor"
direito do Estado".
Dentre as críticas que se
estabelecem, destaca-se a realizada sobre o ponto de vista metodológico, vez
que se pretende a coexistência de um direito estatal, taxativo, concebido pela
vontade política, com exercício de soberania sobre qualquer outro sistema de
regramento social; com um direito insurgente, comunitário, que se contrapõe a
esse direito estatal, mesmo que ideologicamente se pretenda.
Um "direito justo"
nascido e voltado espontaneamente às necessidades peculiares de determinados
sujeitos coletivos.
De outro lado, o direito
alternativo, do sujeito coletivo flui para o pluralismo jurídico, pela
insurgência do direito comunitário, peculiar, adequado aos grupos cujos
componentes se identificam, em relação ao espaço vital (favelas), interesses
ideológicos (sem terra), ou para ir mais longe, em torno de objetivos absolutamente
ilícitos (máfia), vez que a
vontade popular (formal), representada no direito estatal, não atende ou
contraria os interesses dessas sociedades, cuja
efetiva aplicação poderia alcançar o status de ilegalidade.
Em Portugal, no período
imediatamente posterior à "Revolução dos Cravos", as denúncias em
relação às ações desenvolvidas no período de exceção próximo, levaram à uma
profunda crise de legitimidade o direito estatal, considerado
"burocrático", de que não atendia aos interesses populares. Daí a
institucionalização de tribunais de base, populares, assembléias; associações
de estudantes, vizinhos, operários etc.
Foi um período de rica
experiência na distribuição de justiça e solução de conflitos. Expressões frequentes
como "O povo é que mais
ordena", "legalidade
revolucionária", "dinâmica do processo revolucionário em curso",
levaram a instituir como principal o novo direito e a capacidade de aferir a
legitimidade do direito estatal e sua conformidade como direito revolucionário.
Decorreu o "saneamento"
da Faculdade de Direito de Lisboa, com a exclusão dos professores, que
"foram substituídos por trabalhadores, militantes políticos e juristas
comprometidos com as lutas populares". À justiça oficial, considerada
muito cara, inacessível, acadêmica, "afastada das massas populares e
marcada pelo espírito de casta", se pretendia organizações de massas,
mescladas por populares e juízes de carreira, que, entretanto, nunca se
estabeleceu, considerada "suspeita, muitos juristas, mesmo de
esquerda".
Relata, Hespanha, um dos poucos
"julgamentos populares":
O mais conhecido foi o "caso
José Diogo", em que um trabalhador rural matara, na seqüência de uma
discussão, o proprietário das terras em que trabalhava. No dia do julgamento
oficial uma multidão ocupou o tribunal e, substituindo-se aos juízes (que
decidiram adiar o julgamento, transferindo-o para outra comarca), constituiu um
tribunal popular e condenou [...]
o morto, classificando o homicídio como um ato de legítima defesa.
Entretanto, essa aplicação do uso
alternativo do direito, com inversão da legalidade do direito estatal acabou
com a demissão, por parte do Conselho Superior da Magistratura, de um juiz que
insistia em indeferir in
limine as ações de despejo,
por considerá-las contrárias às garantias constitucionais relacionadas ao
direito de habitação.
Nestas plagas, Gilberto Calado
aproxima-se da passionalidade ao atacar o direito alternativo (cujos eventos
propagandísticos considera um levante), a ele atribuindo um caráter dialético e
sectário de um processo revolucionário que tem por fim aniquilar o direito
posto, insuflando a luta de classes. Da apresentação de sua obra, tem-se a
síntese de sua contrariedade:
Pari passu a inserção de um discurso menos agressivo,
porém subordinado às teses aproveitáveis de Marx, vai criando uma atmosfera de
confusão tépida, discreta e cômoda, de modo que a transição dialética e
sectária do processo revolucionário alternativo (da primeira etapa de
aniquilamento do direito tradicional para a segunda e definitiva etapa da
utopia autogestionária possa seguir progressiva e sem obstáculos.
Em que pese o profundo escopo
humanístico em que se fundamenta ética e moralmente o Direito Alternativo,
muitas são as críticas que a ele endereçada por Gilberto Calado:
O direito alternativo nasce da
concepção marxista de lutas entre classes, e
tem seu cerne na crítica do chamado direito dominante, ou o direito como
instrumento de dominação a serviço da burguesia.
O direito alternativo é
contraditório, é a antítese do direito tradicional; seu discurso é livre e de
uma tal liberdade que, dentro de sua dialética real, não admite nenhum
princípio de justiça, neutralidade ou imparcialidade de seus aplicadores.
O ideário alternativo é a
construção de uma sociedade democrática, autogestora e socialista, livre de
revoluções ou crimes: um paraíso quimérico e anárquico. Homens que não erram,
nem intelectual nem moralmente, ou nos quais o erro é tão ligeiro que uma
elucidação cordial os põe logo no justo caminho, têm necessariamente uma vida
política sem atrito nem fricções.
CONCLUSÃO
O direito alternativo, como
proposta de abolir o direito estatal e adoção de um pluralismo jurídico, não
nos parece um avanço no ordenamento jurídico, quer para favorecer as classes
menos favorecidas, quer para alcançar, através do direito denominado achado na rua a praxis do justo pela possibilidade do
tratamento isonômico.
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