sábado, 23 de agosto de 2014

Os múltiplos andares do edifício da “propriedade” no Tapajós

Costuma-se dizer que em relação a títulos de terras por causa de grilagem e “erros” cartoriais, existem diversos andares para a propriedade rural na Amazônia.
Mas no caso do Tapajós, surgem outros fatores como o mineral e o processo histórico de conquista que permite a presença de muito mais andares: segue uma lista de propriedades minerais e rurais imbrincadas ou não, mas que influem decisivamente para a vida e a cultura de centenas de milhares de pessoas na província do Tapajós:
Devemos lembrar que no Tapajós, a propriedade não tem finalidade rural, mas mineral, ou seja, não se deseja e não se conquista terra para produzir alimentos mas para extrair ouro ou diamante e usa se o capital ouro para o assentamento e a posse definitiva da terra.




1-   A posse tradicional do garimpo, dono de áreas extensas ou domínios, limitadas por interflúvios ou bacia hidrográfica, centralizados numa pista de pouso criadas pelo processo histórico de penetração nos anos 70 e 80 e ate antes; podem ter dezenas de milhares de há; hoje em franca decadência por causa da abertura de ramais rodoviários. No caso de acessos naturais como rios navegaveis, não há pistas.
2-  A posse do achado: garimpeiros descobridores de ouro que se fixaram dentro de um destes domínios com ou sem o beneplácito  do “dono” tradicional;
3-  posse do título mineral: direitos minerais titulados por garimpeiros em formas de plg´s (Permissões de Lavra garimpeira) outorgadas ou não pelo DNPM, com prioridade definindo perímetro de autorização para lavrar minérios. Muitos destes títulos requeridos na década de 90, o foram sem GPS e acabaram montando nos domínios de posse tradicional dos vizinhos; alguns requerem sistematicamente em muitos locais e mesmo sem outorga do órgão federal cobram royalties dos garimpeiros para trabalhar no perímetro destes.
4-    O limbo de 2.000.000 de hectares de subsolo indeferidos pelo DNPM ou desistidos pelas empresas, mortos perante a LEI, mas não enterrados, pois falta de finalizar um processo legal para a sua liberação para o domínio de quem estiver interessado na sua exploração e que acabou formando nova zona de conquista para os garimpeiros recém-chegados do Mato Grosso e Rondônia com um procedimento de legalização provisória:
Requer se por cima do requerimento indeferido, mas não liberado, no outro dia requer se LO (licença ambiental) e municiado destes dois protocolos, briga-se com os vizinhos com o apoio da justiça local que aceita esses protocolos por não entender de direitos minerários.
5-  Os requerimentos perante o INCRA, terra legal, Iterpa delimitando perímetros de outras dimensões e direções nas zonas ainda não cobertas por reservas ambientais e montando nos demais domínios. Esses títulos provisórios entram em concorrências com os outros títulos provisórios do DNPM e acabara ganhando na justiça quem estiver com mais força legal.
6-   As reservas decretadas pelo Estado ou pelo governo federal de limitações diferenciadas e  a revelia das posses anteriores declarando imensos espaços como de direitos governamentais e respeitados tão somente pelos titulares do item 5, já que não podem revender a terra e portanto perdendo a expectativa de lucro, não se apossam; os demais que se interessam somente por tirar rapidamente o minério e portanto não tem expectativa de revenda não respeitam reservas
7-    As glebas militares como Damião, Prata, etc...  que foram decretadas como de uso do exercito a revelia de direitos adquiridos, mas que este mesmo exercito declara não ter interesse e mesmo assim perduram burocraticamente. Algumas glebas militares são coincidentes com reservas ambientais, outras não. E só servem para impedir a legalização de empresas e são portanto destinadas ao mesmo processo do item 4
8-   O direito de fato do invasor que usando a força do grupo e a simpatia da justiça pelo coletivo em relação ao individual permite os invasores a retirada de ouro ou outros bens de terras previamente tituladas por órgãos federais a outras pessoas ou empresas. Não se trata de um invasor comum, pois sairá do local após retirar os bens minerais fáceis e ira procurar outro lugar para invadir.
9-  As propriedades das comunidades formando vilas criadas no decorrer de fofocas garimpeiras antigas e se mantendo mesmo após a retirada do ouro fácil com o apoio dos políticos locais e das prefeituras por possuírem votos;
10-As reservas indígenas com trabalhos garimpeiros titulados por caciques indígenas com contratos ilegais e sem títulos minerais por parte do órgão fiscalizador ;
11-Os acessos como pistas e portos privilegiados em margens de rios ou estradas que cobram pedágios ou obrigam os investidores a comprar combustível e mercadoria no local para passar por estes e ir ate as suas áreas de trabalhos respectivas;
12-As centenas de milhares de hectares de capim cercados e com gado que marcam posse ao redor de áreas mineralizadas misturando conceitos rurais e minerais, mas que reforçam o conceito de posse e de uso capião perante os tribunais e os vizinhos. Isto pode ocorrer fora das reservas ambientais e até dentro delas, pois estas foram criadas a revelia da existência previa destas fazendas.
13-Os madeireiros e palmiteiros que montam acampamentos e dominam áreas ao redor destes acampamentos e acabam penetrando nas áreas fragilizadas dos domínios originais saqueando  do patrimônio natural a revelia das autoridades e destes donos originais.
14- As áreas desafetadas ao longo de rios e igarapés pela presidente da republica em reservas ambientais por causa da prevista subida das águas com as barragens do Tapajós e que, portanto não são mais de reservas dentro do perímetro global de uma reserva ambiental e se transformam em fluxos de acessos as reservas.


Parece complicado, mas em realidade só há um andar que tem valor, o que tem ouro e diamantes, todos os demais são criados para dar ou sustentação física e legal a este ou para tentar impedir o saque desordenado. Sem minério, ninguém se interessara.

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