domingo, 14 de dezembro de 2014

O ouro na Origem do Dinheiro e do Penhor

Raquel Mari MoriokaRoberto Ribeiro da Silva

Os metais preciosos sempre estiveram presentes na cultura das civilizações. O ouro, a prata e a platina são exemplos de metais muito utilizados na fabricação de joias e peças decorativas. O que os torna preciosos é o fato de, principalmente, serem raros e bastante resistentes à oxidação. Essas características conferem valor econômico superior a peças fabricadas com esses metais. O penhor, então, surgiu como uma modalidade de empréstimo àqueles que ofereciam seus artigos de valor econômico em troca de dinheiro. Atualmente, este conserva sua finalidade e continua a fazer parte do cenário econômico brasileiro devido principalmente à sua importância social. 

A origem do dinheiro e do penhor
A prática da agricultura e da pecuária permitiu ao homem assentar-se, deixando o estilo de vida nômade, aumentando assim a agregação populacional e levando à formação de vilas, cidades e outras formas de comunidades. O excedente produzido passou então a ser objeto de permuta, dando origem à primeira manifestação de comércio: o escambo, que consistia na troca direta de mercadorias como gado, sal, grãos, pele de animais, cerâmicas, cacau, café, toras de madeira, sacas de milho, conchas e outros (Brasil, 2012b).
O escambo pode ser caracterizado como uma forma elementar de comércio que, nos primórdios da civilização, foi predominante. Na atualidade, ele é ainda encontrado entre povos de economia primitiva, localizados em regiões de difícil acesso. Nessas situações, há escassez de moeda circulante, e a troca de objetos e bens ocorre sem a preocupação de equivalência em valor (Brasil, 2012b).
Um dificultador no escambo é o fato de não haver uma medida comum de valor entre os artigos que são permutados. Apesar disso, algumas mercadorias, pela sua utilidade, passaram a ser mais procuradas do que outras, ou seja, eram comumente aceitas pela maioria das pessoas e assumiram a função de moeda, circulando como base de troca por outros produtos e servindo como um padrão de valor. Essas mercadorias eram conhecidas como moedas-mercadorias (Brasil, 2012b).
sal foi bastante utilizado como moeda-mercadoria. Além de ser de difícil obtenção, principalmente no interior dos continentes, era muito utilizado na conservação de alimentos. Esse sistema de troca direta deu origem ao surgimento de palavras como salário, derivada da palavra latina sal. Segundo Weatherford (2005), os soldados romanos eram pagos em sal, de modo que este era utilizado como uma forma de pagamento.
O gado também foi muito utilizado como um tipo de moeda-mercadoria. Dentre outras vantagens, apresentava facilidades como locomoção própria, reprodução e a possibilidade de prestação de serviços, apesar do risco de doenças e morte. O uso do gado também deixou marcas de sua função como instrumento de troca em nosso vocabulário, pois ainda hoje empregamos palavras como pecúnia (dinheiro) e pecúlio (dinheiro acumulado), ambas derivadas da palavra latina pecus (gado).
No Brasil, dentre outros tipos de moedas-mercadorias, circularam o pau-brasil, o açúcar e o cacau. Durante a colonização, Portugal realizava no Brasil o extrativismo do pau-brasil, cuja tinta vermelha era comercializada na Europa para tingir tecidos. Os índios recebiam dos portugueses itens como apitos, espelhos e chocalhos e, em troca, davam o trabalho no corte e no carregamento das toras de madeira até as caravelas.
O fato de certas mercadorias não permitirem o fracionamento em porções menores e serem perecíveis tornou-as inapropriadas para as trocas comerciais. Adicionalmente, elas não permitiam o acúmulo de riquezas. As armas e os utensílios, que eram feitos de pedra, passaram a ser confeccionados de metais, quando estes foram descobertos, cerca de 3.000 anos antes de Cristo. O uso do metal como forma de dinheiro logo foi se valorizando frente a outros itens como os alimentos. Conforme bem define Weatherford (2005), de todos os materiais que podem ser usados para fazer dinheiro, o metal tem aplicações mais práticas e conserva seu valor por um período de tempo mais longo. Além disso, pode ser moldado em peças maiores ou menores e não é tão pesado quanto as toras usadas pelos hondurenhos nem tão desajeitado como as sacas de milho usadas pelos guatemaltecos.
Os metais inicialmente utilizados nas transações de troca necessitavam de constante avaliação de peso e grau de pureza. O passo seguinte na evolução desse processo foi a adoção de formas e pesos definidos, tendo uma marca indicativa de seu valor e do responsável pela sua fabricação. Essas medidas facilitaram as transações, eliminando as constantes pesagens. Além disso, era possível especificar a quantidade de metal envolvida em cada transação (Brasil, 2012b).
Esses objetos confeccionados de metal passaram a ter valores cada vez maiores. Posteriormente, adquiriram formas de réplicas de outros objetos, com dimensões reduzidas, e passaram a circular como dinheiro. Exemplos foram as moedas faca e chave que circularam no Oriente; outro exemplo de moeda foi o talento, confeccionado de uma liga de cobre-bronze no formato de pele animal, tendo circulado na Grécia e Chipre (Brasil, 2012b).
Segundo Weatherford (2005), dentre todos os metais, o ouro tem sido o mais valorizado universalmente. Apesar de este ter poucos usos práticos, seu valor é inquestionável. Diferente do cobre, que fica esverdeado; do ferro, que enferruja; e da prata, que perde o lustre, o ouro permanece puro e imutável, mesmo com o passar do tempo.
Ainda, de acordo com Weatherford (2005), foram os lídios que, no século VII a.C., cunharam as primeiras moedas em electro, uma liga de ouro e prata. Estas eram moldadas em forma de balas ovais, bem mais grossas do que as moedas atuais. Para assegurar sua autenticidade, era gravado em cada uma delas o emblema da cabeça de um leão. A marca achatava sua superfície protuberante, dando início à transição de uma pepita oval para uma moeda achatada e circular.
Com o passar do tempo, o ouro e a prata foram substituídos por metais menos raros ou suas ligas. No entanto, preserva-se a associação dos atributos de beleza e expressão cultural ao valor monetário das moedas, que quase sempre apresentam figuras representativas da história, da cultura, das riquezas e do poder das sociedades (Brasil, 2012b).
As moedas são registros dos hábitos e costumes de uma época, abarcando aspectos da política, da economia, da tecnologia e da cultura de um povo. Há registros de gravações em moedas de reis, imperadores e outras personalidades do passado. Alexandre, o Grande, foi talvez a primeira pessoa a ter sua efígie moldada em uma moeda: cerca de 330 a.C. (Brasil, 2012b). Acredita-se que o ouro e a prata foram os primeiros metais utilizados na cunhagem de moed
as, não só pela sua raridade, beleza, imunidade à corrosão e valor econômico, mas também por antigos costumes religiosos. Na antiga Babilônia, o culto religioso se associava ao culto aos metais. Para os babilônicos, no interior da terra, era o sol que produzia o ouro, e a lua, a prata. Essa associação pode ser a origem da crença do poder mágico dos objetos feitos com base nesses metais (Brasil, 2012b).
Durante longos períodos da história, as moedas de ouro sempre foram as de maior valor. A prata e o bronze eram destinados àquelas de menor valor. Mais recentemente, as ligas metálicas de cobre e níquel (cuproníquel) e de outras ligas (aço inoxidável, por exemplo) passaram a ser empregadas. Dessa forma, o valor de cada moeda passou a ser expresso por um número gravado em uma de suas faces (Brasil, 2012b).
A transição para a moeda de papel ocorreu na Idade Média. As pessoas detentoras de objetos de valor passaram a deixá-los sob a guarda de um ourives (negociador de objetos de ouro e prata). Um recibo de papel era entregue como garantia do depósito. Esses recibos foram paulatinamente sendo transferidos para terceiros e utilizados como forma de pagamento, dando origem ao papel-moeda (Brasil, 2012c).
Apesar de a grande maioria das moedas terem sido cunhadas em um tipo de metal ou liga metálica, algumas também foram cunhadas em materiais não metálicos diversos como madeira, couro e até porcelana. Na Alemanha, no século passado, em função da escassez de metais para a confecção de moedas em decorrência da guerra, foram confeccionadas moedas de porcelana (Brasil, 2012b).
Percebe-se que a moeda não foi inventada ao acaso, mas surgiu de uma necessidade. Sua evolução reflete, a cada momento, a vontade do homem de adequar seu instrumento monetário à realidade de sua economia.
Percebe-se também que os metais preciosos, como o ouro e a prata, foram e são muito utilizados, sejam na forma de moeda ou simplesmente como objetos de enfeite. Sinônimos de poder e riqueza, a busca por esses metais, principalmente o ouro, movimentou e movimenta a economia de vários países.
Não obstante a riqueza, ao seu lado, sempre existiu também a pobreza e a escassez. De acordo com Bueno (2002), foi em meio às atribulações que o dinheiro sempre causou àqueles que não o têm que a operação hoje conhecida como penhor nasceu.
O termo penhor vem do francês pignorem que significa “ato ou palavra que assegura o cumprimento de um compromisso” (Bueno, 2002). Trata-se de uma modalidade de empréstimo que desde sua origem consiste, de uma maneira geral, no ato de aceitar objetos de valor em troca de dinheiro. O artigo 1.431 do Código Civil Brasileiro em vigor assim o define: “Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”.

No ocidente, o penhor existe desde a Grécia antiga e foi com a expansão do império romano que ele, assim como outros aspectos daquela cultura, difundiu-se para outras sociedades. Como reflexo dessa expansão, a maioria da legislação ocidental contemporânea sobre o assunto é derivada da jurisprudência romana. No oriente, há registros de que o modelo de negócio do penhor existiu na China de 3.000 anos atrás.
Os primeiros estabelecimentos dedicados a esse ramo surgiram na Itália, onde ficaram conhecidos como monti di pietà, que significa montes de piedade. Tais instituições foram assim denominadas porque surgiram como genuína manifestação de piedade. Esse conceito original manteve seu significado ao longo da história e as primeiras instituições de penhor fundadas em Portugal e no Brasil foram batizadas de montes de socorro (Bueno, 2002). No Brasil, foi no dia 12 de janeiro de 1861 que Dom Pedro II assinou o Decreto n° 2.723, dando origem à Caixa Econômica e Monte de Socorro, ligados à corte, cujo propósito era incentivar a poupança e conceder empréstimos sob penhor. A criação da instituição visava combater outras que agiam no mercado, mas que não ofereciam garantias sérias aos depositantes ou que cobravam juros excessivos dos devedores (Brasil, 2012a; 2012d).


A inauguração do Monte de Socorro foi um sucesso instantâneo, pois o penhor fazia parte do dia a dia da população brasileira e, em particular, dos cariocas. A instituição do Monte de Socorro da Corte diminuiu a atuação das casas de prego, que infestavam o Rio de Janeiro e que cobravam juros muito altos. Estas eram assim denominadas porque as joias e os objetos de valores penhorados eram expostos em pregos presos às paredes do estabelecimento (Bueno, 2002).
O penhor também tem sua importância cultural ao agregar aspectos de determinados momentos históricos de um povo como, por exemplo, sua presença na letra do Hino Nacional Brasileiro (“Se o penhor dessa igualdade”) e na música popular brasileira: “Aquela aliança, você pode empenhar ou derreter” (Trocando em Miúdos, Francis Hime; Chico Buarque, 1978).
Além do aspecto social e cultural1, a ciência também está intimamente ligada ao penhor. É por meio do conhecimento científico que se pode diferenciar um metal de outro, possibilitando a identificação de metais preciosos e sua pureza, visando a uma avaliação correta e minimizando a ação de fraudadores.

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