quarta-feira, 12 de agosto de 2015

QUESTÕES CONTROVERSAS DA LEI 12.683/12 DA LAVAGEM DE DINHEIRO

Quando da edição da nova lei de lavagem de dinheiro, houve muitas críticas no mundo jurídico a começar pela Vacatio Legis. Ocorre que esta lei não teve vacatio, já que entrou em vigor na data de sua publicação. Muitos juristas defendem que uma lei penal desta magnitude não poderia entrar em vigor na data de sua publicação e que, portanto, deveria ter tido um período de vacatio para haver o tempo necessário de conhecimento de toda a sociedade. Contudo, esse aspecto parece insignificante dentre outras problemáticas trazidas pela nova lei.
Iniciemos falando sobre o caput do artigo 1º que eliminou o rol taxativo disposto na lei anterior, e substituiu a palavra “crime” por “infração penal”, o que significa que, para que haja a lavagem de dinheiro, esta poderá decorrer também de uma contravenção penal. O crime de lavagem de dinheiro, também chamado de crime parasitário - pois depende da ocorrência de outro crime para se configurar – pela antiga lei, era necessária a prática de um “crime” enquanto que pela nova lei não haverá necessidade que a conduta antecedente seja crime, podendo ser mera contravenção penal.
Importante observar que, a despeito de ter sido suprimido o rol taxativo da lei de lavagem de dinheiro onde só alguns tipos penais eram considerados como crimes antecedentes para a perfeita tipificação penal, poderia se inferir que, uma vez não havendo mais taxatividade, todo crime e toda infração penal poderia ser tipificada na nova lei de lavagem de dinheiro. Inobstante às inovações trazidas pela nova lei, concluir que todos os crimes e todas as infrações penais poderão ser tipificadas na lei de lavagem é algo pueril. Imagine por exemplo o crime de ameaça, disposto no artigo 147 do Código Penal Brasileiro. Ora, neste crime, o agente estará recebendo algum bem ou dinheiro? Ganhará ele, monetariamente falando, alguma coisa? A resposta definitivamente é não, portanto, nesta situação, não há como lavar dinheiro de algo que não foi recebido.
Ainda neste sentido, um homicídio simples decorrente de uma discussão de trânsito, algo infelizmente, corriqueiro em nosso país, haveria em que se falar em lavagem de dinheiro? Obviamente a resposta para essa situação também é não. Percebem a problemática? A nova lei dispõe que qualquer infração penal antecedente pode ser considerada para a prática de lavagem de dinheiro, mas, nem toda infração antecedente, na prática – com o perdão do trocadilho - poderá ser utilizada para se lavar dinheiro. O “x” da questão é que, toda e qualquer infração penal – crime ou contravenção – que produzir ativos, rendimentos financeiros ou patrimoniais, poderá ser enquadrado na lei de lavagem de dinheiro. Ainda neste sentido, tomemos como exemplo uma morte por encomenda, pois, se o agente contratado para cometer um homicídio tentar ocultar ou dissimular o valor que recebeu da prática daquele crime, nesta situação responderá pela lavagem de dinheiro ou sua tentativa, além do homicídio, é claro.
Continuando, a nova lei embora seu objetivo primário seja louvável, pois, pretende acirrar ainda mais o combate a esse tipo de prática, em sua ânsia por fechar o cerco contra o crime organizado, trouxe, segundo a opinião do Jurista Sérgio Fernando Moro, o “risco de vulgarização” – e segundo os penalistas, é uma das conseqüências mais gravosa da norma – pois,“ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de 3 anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos.”
Outra consequência nefasta trazida pela lei é quanto ao inciso XIV do artigo 9º da referida lei, no qual dispõe:
Artigo 9º - Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: 
Pela redação deste inciso, há uma série de sujeitos novos obrigados, que, dentre eles, os advogados (e de outras áreas também, como v.g., contadores) que prestam serviços de consultoria, aconselhamento e assistência. Isso significa que, ainda que este dispositivo não atinja o advogado na categoria de defensor, ou seja, militando em ação penal como constituinte de seu cliente, alcança a atividade do advogado no que diz respeito a serviços de consultoria, quando ele não está atuando como defensor, mas, como mero conselheiro.
Ainda que pesem entendimentos contrários, certamente, por esse inciso o advogado é obrigado, dependendo da situação, a informar ao COAF quanto às verbas honorárias que receber, sob pena de multa pecuniária, cassação ou suspensão da autorização para o exercício da atividade, operação ou funcionamento.
Para quase totalidade da classe de advogados, a parte da lei que determina a obrigatoriedade aos profissionais da advocacia a prestar informações ao COAF sobre valores que envolvam operações com seus cientes, é inconstitucional. Seria uma afronta direta ao livre exercício da profissão que, segundo a Constituição Federal de 1988 é função essencial a administração da justiça, bem como o Estatuto da OAB garante ao advogado sua inviolabilidade profissional bem como o sigilo dos dados dos clientes. Certamente esse tema que gerou tanta celeuma, ainda trará grandes discussões acerca dos deveres e responsabilidades dos advogados por força do inciso XIV da nova lei de lavagem de dinheiro.
Continuando, outro artigo da lei que também deverá ter sua constitucionalidade questionada é o 17-D, que diz:
Art. 17-D - Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.” 


Por este artigo, caso um servidor público venha a ser indiciado por lavagem de dinheiro, será afastado de suas funções. Ora, a despeito do funcionário indiciado não ter sua remuneração suspensa, ainda assim, este dispositivo fere grotescamente o “princípio constitucional da inocência”, pois, ninguém será considerado culpado sem o devido processo legal e sem o trânsito em julgado. Ao afastar o servidor meramente indiciado – o que também fere o princípio da ampla defesa - de suas atividades regulares, mesmo que ainda continue a receber sua remuneração, o princípio constitucional da inocência foi jogado ao vento! Parece-nos que este dispositivo – apenas por discussão, talvez com a boa intenção de evitar maiores danos à administração pública e trazer certa moralidade perante a sociedade – é perigoso e prejudicial, pois, como dissemos, afronta a um dos pilares basilares do estado democrático de direito.

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