quinta-feira, 8 de outubro de 2015
A mineração em reservas indígenas: a Lei e a realidade
43) Diz o parágrafo 3 do artigo 231 da Constituição Federal que "o
aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na
forma da lei".
44) Em outras palavras: é preciso que o Congresso crie e aprove uma lei que
permita e regulamente a extração de recursos naturais em terras indígenas. Como
essa lei não existe, hoje qualquer tipo de mineração na Roosevelt é ilegal (inclusive a praticada por índios).
45) "Queremos que o garimpo seja legalizado", diz com veemência
Marcelo Cinta-Larga. A regulamentação é a solução apontada por nove entre dez
fontes ouvidas pela reportagem, como funcionários do Ministério Público e
Polícia Federal, índios e indigenistas e até garimpeiros, que dizem preferir
trabalhar legalmente.
46) Já foram propostos três projetos de lei para tentar regular a atividade,
os PL 7.099/06, 5.265/09 e, principalmente, o 1.610/96, proposto pelo hoje
senador Romero Jucá (PMDB-RR) há quase 20 anos.
47) A proposta de Jucá foi tida como inaceitável por defensores dos direitos
indígenas, sobretudo porque diminuía o peso da consulta às comunidades e
estipulava royalties de só 2% da receita bruta das riquezas naturais, por lei,
pertencentes à União. O projeto valeria para todo tipo de mineração, fosse de
diamante, ouro ou qualquer outro minério ou pedra preciosa.
48) Em 2010, o deputado Eduardo Valente (PT-RO) apresentou texto
substitutivo ao PL 1.610/96 que incorporou 40 emendas, mas rejeitou outras 62,
além de considerar quatro inconstitucionais. O texto, que prevê royalties pouco
maiores, de 3%, também enfrenta resistência.
49) Em paralelo, tramita no Congresso a PEC 215, que transfere da União para
o próprio Congresso o direito de demarcação das terras indígenas e permite
revisão dos territórios já demarcados, sob novos critérios. Tais medidas ferem
a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, acordo assinado pelo
Brasil a partir de 2003, que incorpora à legislação interna dispositivos de
proteção a povos indígenas e tribais.
50) "A lei ainda não veio. O modelo de mineração depende do texto a ser
aprovado; se será por licitação, se a negociação será direta com os índios, ou
qualquer outro modelo", esclarece o advogado e professor de direito
financeiro da Universidade de São Paulo Fernando Scaff.
51) Scaff explica que, regra geral, o direito de explorar
a riqueza é do primeiro a descobri-la (não. O
direito de prioridade é assegurado, ao primeiro que requere área livre), mas que em terra indígena o procedimento dependerá da lei. A
consulta aos povos indígenas deve ocorrer na operação de cada garimpo, ( não seria para cada autorização????)não na
aprovação da proposta.
52) Isso significa que, para operar em terra demarcada, seria preciso se
acertar com os índios. Há quem já esteja fazendo isso ( hoje ilegal).
53) Existem duas cooperativas dedicadas à exploração mineral entre os
cintas-largas, a já citada Coopecilar, durante anos liderada por João Bravo e
Raimundinho, e a Coesci (Cooperativa Extrativista e Sustentável dos
Cinta-Larga), capitaneada por Marcelo e Oita Mina Cinta-Larga, mas que conta
com apoio de quase todas as lideranças. Para qualquer interessado em operar o
garimpo legalizado, essas são as duas portas de entrada –e ambas já têm seus
representantes. ( hoje a lei 7.805/1989 proibe PLG em
terras indígenas, mesmo por cooperativa de índios)
54) Quem atende a Coopecilar há alguns anos é o advogado Raul Canal, cujo
escritório fica em Brasília. Para a Coesci, o também advogado sediado em
Brasília Luís Felipe Belmonte e o empresário Samir Santos Entorno apresentaram
uma proposta de regulamentação do garimpo em março deste ano.
55) Em ambos os casos, os discursos são semelhantes: fazem trabalho de
consultoria jurídica em Brasília para proteger os direitos indígenas e representá-los
em processos judiciais em favor da legalização ( sem a lei complementar que a CF exige é impossível).
56) As promessas também: índios acreditam que, após a legalização, a etnia
cinta-larga será uma das mais ricas do mundo – a reportagem viu Samir Entorno
mostrando para os índios fotos de seu trabalho com aldeias milionárias no Novo
México ( A mineração responde por 7% do
PIB do Novo México, empregando cerca de 19 mil pessoas. Os principais recursos
naturais minerados no Estado são petróleo e gás natural.), nos Estados Unidos.
57) As frentes de atuação, contudo, são diferentes. Canal diz que se empenha
em aprovar ainda neste ano o processo judicial que abstém os cintas-largas de
se submeterem à aprovação do Congresso para "a exploração exclusiva por
eles [índios] de todas as riquezas do subsolo e potenciais energéticos".
58) "Não apoiamos nenhuma das iniciativas legislativas, pois nenhum dos
projetos que tramitam no Congresso atende aos interesses dos indígenas (os bens minerais por dispositivo constitucional são bens da união,logo
não pertecem aos índios apenas e sim à toda a sociedade). Todos são de interesse das grandes mineradoras."
59) Já Belmonte dedica-se a obter para o cintas-largas a permissão para a
legalização do garimpo, faiscação e cata –procedimentos de exploração do solo
na superfície ( hoje é ilegal, tanto pela constituição,
como pela lei 7.805/1989).
"A proposta é dar meios legais para eles trabalharem. O dinheiro seria
todo da comunidade por vias legais: eles fazem o garimpo, negociam o diamante,
e a cooperativa administra. O Estatuto do Índio (o artigo 44 do estatuto do índio foi
recepcionado pela constituição??? Há quem entenda que não). permite isso", afirma.
"O problema é abrir para o
garimpeiro entrar e explorar atividades ilegais", diz.
60) Os dois advogados afirmam não manter relação com o garimpo ilegal e
mineradoras.
61) Uma fonte do governo federal diz que a legalização do garimpo na
Roosevelt é parte de um lobby internacional que vem da Antuérpia, na Bélgica
(país responsável pela negociação de 80% dos diamantes brutos e de 50% dos
diamantes lapidados do mundo), isso é
pouco provável. A produção de diamantes do rooselvet é insignificante em
relação a produção mundial. e não produz grandes diamantes como a mina
CULLINAM) cujos investidores querem
direcionar seu dinheiro para países com democracia e economia estáveis.
62) Em conflito com o Estado, sem verbas e com a cultura deteriorada, os
cintas-largas seguem dependentes do garimpo, seja clandestino como hoje, seja
legalizado por homens de terno em Brasília.
FELLIPE ABREU, 31, formado em cinema, é jornalista e fotojornalista.
LUIZ FELIPE SILVA, 26, é jornalista e fotojornalista.
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